3 de jul. de 2011

Há um pássaro azul no meu coração


Joaquim me disse uma vez que o amor é um desossador de aves. Me abraçava forte enquanto dizia isso baixinho, num abraço que era quase uma gravata e me sufocava um pouco, e dizia cada vez mais baixo "olha, amor, o amor é uma coisa e tanta, é um desossador de aves, vai nos tirar a estrutura e depois nos consumir aos pouquitos" e ria, e ríamos e éramos muitos jovens.
Joaquim me dizia coisas que eu não entendia, coisas sobre o fim e o começo, coisas sobre o não ser, sobre os quereres, as nuances do mar, sobre a espiral do mundo. Joaquim me fazia coisas que eu não entendia, Joaquim me apresentava poesias, e eu o amava cada dia mais um tanto, tanto amor que poderíamos caber numa daquelas fantasias que ele gostava de inventar, jovens que éramos.
De tanto falar e ser, Joaquim fez nascer em mim um pássaro. Um pássaro muito azul que se escondia quando ele não estava por perto e que cantava quando ele aparecia. Era um lindo pássaro azul secreto. Era um enorme pássaro azul secreto, que mais que morar em mim, me preenchia. Mas Joaquim tinha medo do desossador. E por temer, Joaquim quis livrar-se do pássaro azul que havia no meu coração. Queria ele desaparecido, escasso, fugido, antes que o amor o consumisse. E por temer, ele, tão jovem que era, tão sabido que era, não entendia daonde nascia o desossador. Azeviche foi ficando, azeviche ficou.
Há um pássaro azul no meu coração e eu tenho que tirá-lo de lá antes que Joaquim o mate.