21 de nov. de 2009

Costela de Adão

Quem criou você fui eu, baby
Então deixe de ser besta
Vem pra cá
Quem desenhou você fui eu, baby
Então largue de ser besta
Pare de esnobar
Que assim como te inventei
Posso sim desinventar

18 de nov. de 2009

Dimitre

Foto por Maiara Cerqueira

Quando vi Dimitre pela primeira vez, podia jurar que tinham aberto os portões do Olimpo e deixado escapar o deus mais encantador. Ele era o homem mais lindo que eu já tinha visto nos meus trinta e um anos, e posso apostar que se vivesse trinta e uma vezes trinta e um anos, não encontraria outro ser que se pudesse equiparar.
Ele tinha quase dois metros de altura e carnes na medida certa. Cada pedacinho do corpo de Dimitre parecia milimetricamente esculpido pelo mais talentoso artista. Sabe o Davi de Michelangelo? Perdia de goleada. Principalmente por um detalhe, que eu viria a confirmar logo depois.
Nos conhecemos na praia. Eu metida num maiô monocromático, estirada me bronzeando quando fui atingida em cheio na cabeça por uma bola de frescobol. Levantei num salto, já xingando Deus, o mundo e quem mais aparecesse, quando o vi correndo em minha direção em slowmotion, sunga vermelha contrastando com o bronzeado recém adquirido, cabelos extremamente lisos molhados da água do mar: morte súbita, sem direito a extrema unção.
Me pediu mil desculpas, como se precisasse. Lindo daquele jeito, tivesse me acertado um dardo envenenado no peito de próposito, capaz que eu risse e dissesse "que nada broto, ops, morri" só por tá de frente àquela boniteza toda.
As feições, como todo o resto, eram perfeitas. Olhos miúdos e rasgados da cor do céu. Os lábios grossos adornavam uma fileira de dentes perfeitos, formando uma boca que cometia homicídios todas às vezes que se abria num sorriso. Tudo isso eu reparava sorrindo com cara de boba, enquanto ele estendia a mão pra pegar a bendita bola de frescobol. Foram alguns segundos que pareceram umas três horas, eu parada alí debaixo do sol quente, já ficando tonta de tesão ou por causa da pancada, admirando aquela criatura máscula e deliciosa seminua à minha frente, desejando-a como um lobo deseja a sua presa. Viajei legal. Salivei. Enrubeci. Por fim, entreguei a bola, e me enfiei debaixo do primeiro sombreiro que apareceu.
Sorte minha que o moço não ligou pra minha falta de sutileza. Sentou do meu lado, puxou conversa e lá pra quando a maré estava baixando, me ofereceu uma carona de volta pra casa. Olha, nunca fui dessas mulheres de dar no primeiro encontro, ainda mais quando não é um encontro propriamente dito. Mas bem, era Dimitre. E era verão. E estava muito calor, ele me ofereceu um Sex On The Beach - nada mais apropriado - na cozinha da casa simpática dele, e eu ainda estava tonta da bolada... e era Dimitre. Se aquele homem me pedisse um pedaço do céu eu daria um jeito de pegar. Ele só me pediu pra abrir as pernas. Na verdade, nem precisou pedir.
Quando eu dei por mim, já estava me embolando com aquela criatura pelo chão. E pela parede, e pela mesa, e pelo vaso sanitário, e pela máquina de lavar. Aquelas cenas que eu vivi a meia-luz naquela casa de veraneio, não poderiam ser descritas exatamente da maneira que sucederam. Foi puro êxtase, um sonho surreal com gosto de saliva e sal, arranhões pelas costas e mordidas no pescoço. Visitei o paraíso sem ter parado no purgatório. Provei do mais puro veneno e não morri. Ou morri. De tesão, nos braços do maior amante que conheci.
Ao amanhecer fui embora sem me despedir. Ele continuava dormindo, suado e nu, espalhado displicentemente pela cama desforrada. Peguei minhas coisas, meu maiô, minha saída de praia, e saí nas pontas dos pés, sem nem sequer deixar o número do telefone.
Homens como Dimitre foram feitos para apenas uma noite. Eles não são homens de verdade, são semideuses, falhas na nossa lucidez, personificação da boniteza - e mais - um perigo se usados em demasia. Tive minha dose de Dimitre na medida certa, e já podia pegar o ônibus de volta pra vida real.
Mas só por descargo de consciência, escrevi de batom meu email no espelho do banheiro dele. Quem disse que um raio não pode cair duas vezes no mesmo lugar? E bem, ele notavelmente era muita areia pro meu caminhãozinho. Eu precisaria fazer duas viagens.

12 de nov. de 2009

Quando você descer do céu

Ele me beijavava como uma borboleta pousa leve no aveludado de uma pétala de rosa, suave e doce como eu consigo imaginar, depois de tanto tanto tempo sem ele. Não lembro mais detalhes do seu rosto - faz tanto tempo - além dos seus olhos amendoados sempre muito negros, sua boca quase avermelhada, e a fileira perfeita de dentes absolutamente brancos. Parecia um anjo. Com o cabelo tão liso e tão escuro como a asa de uma graúna. Tem dias em que fecho os olhos e o rosto dele é um borrão cravado nas minhas retinas. Outros, eu quase posso vê-lo sorrindo tímido pra mim, rubor subindo pelas bochechas, olhar de quem não sabe o que dizer. Mas ele nunca dizia nada.
Faz muito tempo que ele foi embora, e nem sei mesmo o porquê, nem pra onde, nem como, na verdade talvez ele nem tenha ido embora. A ausência dele aqui presente, antes grande e tão quase insuportável, hoje uma mera imagem desbotada, apenas o gosto quase inexistente de um beijo doce, talvez inventado, talvez vivido, as coisas se confudem na incessável dança do tempo. Que ao mesmo tempo me cura e o mata. Mas anjos morrem? Eu ainda ouço o ruflar das asas dele como naquele dia que não sei direito qual, e que eu senti meu coração dar três saltos no peito e um gosto de ferro vir à boca, e sabia que nunca mais o veria, e sabia que ele talvez nunca tivesse existido. Mas enquanto houver vida e as noites forem claras e o azul escuro do céu for quase tão negro quanto a íris dos olhos dele, eu ainda procurarei a estrela mais amarela, mais brilhante, e saberei que meu anjo rufla as asas douradas em algum canto do meu coração.
Look at the stars, look how they shine for you and everything you do. Yeah, and they are all yellow.







Yellow - Coldplay.

9 de nov. de 2009

Dedo podre

Cibele conheceu Plínio na arquibancada de um circo. Entre uma pipoca e outra, Cibele reparou no rapaz espirituoso que sentava na cadeira vizinha. Plínio era simpático demais, sorridente demais, engraçado demais. Sempre com uma piada pronta, com uma brincadeira engatilhada, Plínio fazia todo mundo cair na risada. Não deu outra: Cibele se apaixonou instantaneamente pelo seu sorriso e suas piadas bem contadas. Saíram dois, três, quatro meses até Plínio dizer que enjoara da mesma piada, a única que Cibele sabia contar, e contar mal, diga-se de passagem.
Superado o fim do romance, Cibele resolveu passar o fim de semana na ilha com as colegas de trabalho. E foi na beira do mar, bezuntada de cenoura e bronze, que Cibele conheceu Alfredo. Alfredo era loiro, alto, forte, musculoso e tinha um rosto de dar inveja a qualquer mortal. Cibele se apaixonou instantaneamente pela sua pele bronzeada, seu bumbum durinho e seus olhinhos azuis como o mar. E era mesmo bonito, o danado. Saíram dois, três, quatro meses até que Alfredo a trocou por uma modelo russa. E era mesmo bonita, a danada.
Aí nessas horas, aonde fica a auto-estima da mulher? Indignada, cheia de sangue nos olhos e pêlos encravados, Cibele marcou um dia de beleza completo no salão. E foi lá que ela conheceu o Jayme. Jayme era o cara mais sensível e educado que ela já vira. Gentil, cedeu o lugar para ela, enquanto esperava pra fazer a sobrancelha - "Um pelinho aqui no meio, é que eu tenho monocelha" - disse lépido. A derretida Cibele se apaixonou instantaneamente pela sua delicadeza, seu romantismo e seu bom gosto para tonalizantes. Saíram dois, três, quatro meses até Cibele o pegar na cama com o cabeleireiro mais talentoso que ela conhecia - o único que fazia a escova durar 4 dias sem enrolar - duas perdas!
Cibele já não tinha o que fazer. Não comia direito, coitada, não dormia, chegou até a ficar de cama. Levaram-na as pressas pro hospital, e foi num leito da enfermaria, que Cibele conheceu Otávio. Cuidadoso, Otávio tratou da doença de Cibele, que não tinha nada além falta de sorte e dedo podre pra homens, o que médico nenhum curaria. E como já era de se esperar, Cibele se apaixonou instantaneamente pelo doutor. E saíram dois, três, quatro meses até Cibele descobrir que Otávio era casado. E que aquela marca esbranquiçada no dedo anular da mão esquerda, não era vitiligo, como ele afirmava ser.
Cibele não tinha mais lágrimas pra chorar, mais álcool pra beber, nem forças pra se revoltar. Aceitou tudo com resignação e na semana seguinte já tava de passagens compradas para Paris. E no avião, Cibele conheceu Tierri. E o matou com 23 facadas três semanas depois.
Sempre melhor prevenir.


P.s.: Texto antigo, não conseguia dar um desfecho interessante pra a história. Acabou ficando isso aí, ainda desinteressante.
P.p.s.: Afagos!

3 de nov. de 2009

Sei que tu voltas

As melhores partes dos dias que antecederam a tua ida, eram as manhãs. Mornas e ensolaradas, o sol invadindo sem pedir licença o nosso quarto de dormir. Eu acordava todo dia antes de ti, só para poder te olhar adormecido - lindo. Olhos cerrados, bochechas marcadas com vincos de travesseiro, às vezes ressonando leve, quase sempre totalmente descoberto, sempre suado. Poderia passar a vida inteira do teu lado na cama, te olhando sem fazer barulho, reparando em cada traço do teu rosto. Mas tu acordavas de súbito, sorrias e beijavas a ponta do meu nariz. "Moleca, não me olha assim", e me abraçavas. Foram as mais lindas manhãs da minha vida.
Não me lembro ao certo em qual estação estávamos quando tu foste embora. Sei que fazia calor, e tu passavas o dia sem camisa andando pela casa, podia ser verão ou primavera. Lembro-me muito bem do verde vibrante da relva no jardim, e das flores, nunca antes tão bonitas. Tu sempre teves a mão boa para plantas. Nossa casa vivia florida, e não havia um dia sequer sem ter flores enfeitando a mesa do jantar.
Não choveu um dia na semana em que tu me deixaste. O céu estava limpo e claro, e a lua cheia estava tão iluminada e amarela quanto um farol. Nos deitávamos de barriga para cima na grama, e brincávamos de contar estrelas, vez em quando tu me mostravas uma constelação ou outra, e me contava uma antiga lenda grega. Me dizias que eu era a tua Psiquê, e tu eras o meu Eros. "Amor e alma, pequena. Nunca felizes separados". E quando uma estrela cadente despencava do céu, fazíamos um pedido. Eu não tinha mais o que pedir. Já tinha a ti, nossa casa, nosso gato angorá preguiçoso e um jardim com girassóis. Meu pedido era um agradecimento. Ou um beijo. Que sempre se realizava.
Na tarde da tua ida, eu tinha tirado as cortinas de seda azul para lavar, e tinha feito um bolo de chocolate com nozes e avelã. Era receita da minha avó, e o seu preferido. Coloquei ração pro gato, molhei as plantas e me sentei na velha cadeira de balanço pra ler um conto de Allan Poe. No exato momento que soube da sua ida, estava tocando um jazz na rádio, e lembrei-me de súbito de ti. Derrubei o copo de água que estava na mesinha ao meu lado, que se espatifou no chão em mil pedaços. Alguns minutos antes do telefone tocar, eu já tinha recolhido os cacos de vidros do chão e colocado o tapete persa pra secar no varal. Pensava em ti e tudo a nossa volta pulsava parecendo ter vida naquele exato momento em que a voz do outro lado da linha parecia me cortar como um punhal sem cabo.
Hoje faz um par de meses que tu foste embora, e nossa casa parece mais bonita a cada dia. Tem margaridas enfeitando o parapeito da janela, e troquei as cortinas azuis por outras mais alegres. Visto-me sempre com vestidos floridos e rodados, e os cabelos trançados como sei que tu gostas. Nunca deixo de fazer o teu bolo favorito, porque sei que tu voltas. E minhas lágrimas regam as flores mais bonitas do jardim, as flores que enfeitarão o túmulo que dizem ser teu. Mas não é. Pois sei que tu voltas. Foste só buscar um pote de estrelas pra tua Psiquê.

1 de nov. de 2009

Arrête là, menina


Ela era bonitinha, bonitinha. Andar cheio de graça, olhos negros desmaiados, jeitinho manso de falar: sempre obediente. "Coitada da Lucinha, tão frágil, tão inocente. Não sabe é nada dessa vida, vai é levar trompaço nas esquinas" - diziam as senhoras na quintanda, entre o apalpar de um tomate e outro. "Será que casa? Será que alguém há de querer aquele mosquitinho? Tá no fado da miúda ficar só". O que, de certa forma, era bem verdade.
E quando num dourado dia de domingo, enquanto as crianças tomavam sorvete de flocos na praça da igreja, enquanto as mocinhas solteiras flertavam com toda a ala masculina disponível na cidade, enquanto as beatas babavam na batina do padre, enquanto as fofoqueiras fofocavam, os bêbados bebiam, e os automóveis corriam pra lugar nenhum, enquanto tudo e todos viviam as suas vidas normais que somadas (muitas vezes até multiplicadas), não dariam meio conto de réis nos dias atuais, enquanto todos caminhavam lentamente ou rapidamente em direção a morte, a moça donzela dos olhos desmaiados sonhava com a vida que levaria quando fosse embora dali. Sentada na cadeira de balanço, Lucinha cerrava os olhinhos de azeviche e devaneava feito borboleta com as coisas que veria nesse mundo novo, onde as pessoas se olhariam no rosto e se preocupariam mais com a cor dos olhos do que com números, onde o tempo correria manso e os ponteiros dos relógios teriam a mesma importância que ácaros.
Morreu sorrindo, e ninguém notou. Só comentaram do caixão branco.