24 de out. de 2009

Mais um trago


Acendo mais um cigarro e penso nele. O gosto da nicotina nos meus lábios, o gosto dos lábios dele na lembrança. Vou morrendo aos poucos, vou virando cinzas vendo a nossa história se apagar de vez. Fumo mais um cigarro e penso nele como se não houvesse mais nada pra se pensar, como se a minha existência estivesse atrelada apenas a pensar nele, a pensar no nós que já se foi. Eu penso e fumo, como se não houvesse mais nada a se fazer. E não há.


E eu só sei pensar em você e fumar esse maldito cigarro.

14 de out. de 2009

Árvore

Para os pessimistas, a morte é o fim de tudo. Para os otimistas, a morte é o começo da vida eterna. Algumas religiões diriam que o que importa é ser bom aqui na terra, pra ir pro paraíso depois de morrer. Outras, acreditam em outras vidas. Eu não concordo nem disconcordo com nada. Só sei de uma coisa: a morte pra mim tem gosto de café amargo tomado às pressas, corpo dolorido de cochilar sentada, e olhos vermelhos de não conseguir chorar.

O que eu mais gostava daquela casa era o quintal. Era um só, e unia o fundo das três casas vizinhas: a principal, a da minha tia, a da sua filha mais velha, e a de meu primo, seu único filho homem. Todos os dois casados e com filhos, filhos esses que hoje brincam à sombra da velha aceroleira que conheci ainda pequena.
Engraçado que quando eu soube da notícia, eu quis lembrar dos momentos que eu passei com ela. Relembro seu rosto, sua voz serena, suas mãos brancas e finas, seus cabelos prateados. Mas não consegui me lembrar de nenhum episódio com a clareza necessária pra narrar. Me lembro mais da casa, e da figura dela lá. Na cadeira de balanço ninando os netos, no sofá vendo tevê, no quintal passando pra cima e pra baixo. Cuidando. Era o que ela mais fazia.
Por isso que ontem, mesmo sabendo que ela nunca mais sentaria naquela cadeira, que ela nunca mais ferveria o leite no fogão, nem gritaria o nome dos netos da porta da cozinha, percebi que ela nunca sairía de lá. Que ela sempre estaria alí cuidando da gente. Como a velha aceroleira. Porque árvore, só morre por fora.

Descanse em paz, minha tia.

7 de out. de 2009

Sobre o tempo

Nunca entendi muito bem a necessidade que as pessoas tem de saber das horas. Pra mim, tanto faz como tanto fazia: se era de noite ou de manhã, se era hora do almoço ou era verão, se faltava dez minutos pra acabar o dia ou vinte quatro horas pra começar um novo. Não me importam os prazos nem as frequências; não me importam o badalar dos sinos nem o correr dos ponteiros. Sempre tive medo do passar do tempo. Ele é cruel, enruga, e leva sorrateiro a lucidez.
Lucidez essa, que eu nem tenho mais a essa altura da madrugada. Depois de tanto beber, e fumar, e cheirar, e trepar, só me restam um corpo insone e uma mente pertubada – além de carteiras de cigarros amassadas, cinzas espalhadas pela mesa, garrafas, e uma puta sonolenta dormindo semi nua no meu velho sofá-cama. Desse lado da sala não consigo ver seu rosto. Talvez seja bonita e nem seja puta, talvez seja uma velha amiga que eu reencontrei na rua e convidei para tomar um vinho, talvez esteja tão completamente bêbada e drogada que não se lembre de nada tanto quanto eu, talvez seja uma desconhecida casada e com um casal de filhos gorduchos, talvez seja pobre e ignorante, talvez esteja morta, talvez seja fruto da minha imaginação. Ela permanece inerte a poucos metros de mim, e eu daria tudo – tudo – para ela realmente ser fruto da minha imaginação.
Bebo o último gole de uísque que restava no copo, barato e tão quente, que descia pela minha garganta como se tivesse unhas. Não reparo. Pensava sobre o quê, o tempo? Sobre os acontecimentos que atravessam a vida da gente como navalha, cortando a carne, ferindo a pele, matando aos poucos. Como o álcool que me entrerte, como a droga que me dopa, como o sexo que me agrada. Aos poucos, me matam aos montes.
Não saberia dizer como cheguei a esse ponto. E nem importa, na verdade, o que importa é que cheguei. Fundo do poço, alguém diria. Mas meu poço não tem fundo, e enquanto houver tempo, continuarei descendo cada vez mais, cada vez mais, cada vez mais. Me olho no espelho e não consigo enxergar nada.
O tempo me roubou de mim.

6 de out. de 2009

Bonito

Sim, são os olhos meus
Que te medem de cima a baixo
Que te encaram sem cansar
Meus olhos que não cansam de querer os teus
Sim, são os olhos meus
Que te desejam como um lobo a um cordeiro
E te devoram aos bocados
Cada minúcia
Cada pedaço
Tanto a ponta do teu nariz
Quanto a nesga do teu sorriso
Olhos que se perdem no mar dos teus
E que como naufrágos, perdem-se
E que como afogados, debatem-se

Se te acho bonito?
Sim, e são os olhos meus!



P.s.: É, gente, acho que estou de volta. Andei muito infértil ultimamente. Na verdade, talvez não. Talvez apenas preguiçosa.
P.p.s.: Obrigada a todo mundo que faz questão de passar por aqui, que faz questão de comentar, de criticar, de gostar ou desgostar. Assim dá tão mais vontade de continuar!