26 de jun. de 2011

Canção de exílio

Estou voltando, e permita e queira Deus que tudo esteja exatamente nos mesmo lugares em que deixei, a máquina de escrever com o erre emperrado, a samambaia perfilhada da sala de estar, minha velha mãe cheirando a alho poró. Já faz tanto tempo que fui embora que assalta-me a mémoria nítida de cada ponto descascado do papel de parede, de cada canto escondido da casa, como se ela e eu fóssemos uma coisa só feita de sangue e concreto. Longe dela minguo, lunático que sou. Reduzo-me a pó, poeira, barro, areia descartada no capacho da cozinha. Pela lembrança dela, nasço, contravenção que sou. Broto nas hortaliças, nas ervas daninhas, no mato, na Mangueira com um coração flechado tatuado no tronco. Para ela volto, nostalgia que sou, e permita e queira deus que tudo esteja exatamente nos mesmo lugares em que deixei.

Por que assim vivo, lua, vida, saudade e em loopping por toda a eternidade, longe dela, perto dela, como a marca de uma cicatriz.

22 de jun. de 2011

No soul power


A loucura me disse uma vez que eu deveria jogar todas as lembranças fora, junto com os cacos de vidro e os potes de mel. Não lembro das palavras exatas, nem do seu timbre de voz, tampouco lembro a direção que o vento soprava naquele momento. Mas quando coloquei a mão no peito senti a marca que aquele conselho deixara. Um buraco fundo e tão fundo que pude sentir você dentro de mim pedindo socorro.
Demorei pra acreditar que era você e não eu que chorava.