24 de nov. de 2011

A Camisa

Eu amo essa Camisa porque é a última coisa que você me deixou. Eu amo muito essa Camisa, agora é a coisa no mundo que eu mais amo, só por saber que ela é sua e agora está comigo; só por saber que um dia ela esteve colada no seu corpo e agora tem a possibilidade de estar colada no meu; só por saber que um dia seu perfume esteve nela e agora é o cheiro das minhas roupas que a impregnam. Eu amo essa Camisa porque ela é a sua segunda pele. Eu amo essa Camisa amarrotada, amo-a como se fosse uma carta, como se fosse uma partitura, como se fosse uma flor, como se fosse um presente, como se fosse um jantar, como se fosse uma esperança mas ela é só uma Camisa. Mais uma Camisa, entre tantas no seu guarda-roupas e a única Camisa amarrotada em cima do meu vestido favorito.
Eu a amo demais. E ela é só uma Camisa. Meu amor não tem a mínima etiqueta.

23 de nov. de 2011

Quintal

Conheci o amor no muro da casa da minha avó: era um menino baixinho, espinhento e de cabelo gorduroso. Não lembro o nome, mas de que importa? Talvez nem tivesse nome. Só tinha era uma vontade apertada contra a parede pintada de cal e um beijo com gosto de jambo roubado.
A saudade tem gosto de jambo roubado.

21 de nov. de 2011

[ se por um acaso

Tem algo em mim que sempre foi torto
Que eu trouxe comigo das tripas da minha mãe
Minha mãe que morreu Santa
E que justamente por ser Santa
Escondeu debaixo da saia a única parte podre de sí
A única parte vil e egoísta
Que nasceu comigo como um gêmeo siamês

E desde sempre não tive escolhas
Não tem isso de destino se eu já sei o meu final
Não tem isso de fé se já eu nasci herege
Torta sou
Torta serei
Torta morrerei

Mas
[se por um acaso
Um dia eu tivesse escolha
[se por um acaso
Me deixassem deixar de ser errada
Daria um jeito qualquer
De desamassar a minha alma
De limpar a sujeira da minha história
E tapar os buracos do meu coração

Aí sim
Aí sim eu criaria um cachorro

11 de nov. de 2011

Sem título

Ainda choro um pouquinho
Mas só de madrugada
E só por medo
Sabe medo?
Não do barulho na janela
Nem do último pesadelo
Nem da lembrança do sangue no filme de terror
Mas medo mesmo
Medo de macho
De gente crescida
Ainda choro um pouquinho
[juro que só um pouquinho
e só de madrugada]
Por medo de todo dia acordar só

Me pelo de medo do lado direito da cama gelado como um cadáver.