2 de dez. de 2009

Quem se debate é afogado


Pisco os olhos e minhas pálpebras são tão pesadas que eu demoro horas pra conseguir ergue-las de novo. Mas não são horas de verdade e sim segundos que passam numa vagareza cruel que me machuca e transforma a minha dor em coágulos que não consigo dissolver, como se eu tentasse, eu não tento, minha dor é pura resignação. E nesses segundos entre o abrir e fechar do olho, enquanto o breu cobre parcialmente o que eu vejo, parcialmente porque a claridade não deixa que o negro tape minha visão completamente, eu só consigo pensar em Você, e no feixe de coisas que vivi com Você. Nessas cenas mal focadas, Você sempre me aparece sorrindo da mesma maneira que sorria quando estava a sós comigo, mãos sempre muito frias e suadas que me deixavam intrigada em pensar como podiam ficar sempre tão frias e suadas?, seu queixo pontudo rasgando o ar quando Você gargalhava tão alto e rouco que me dava vontade de rir também, e eu ria junto exatamente da mesma maneira que eu dou risada agora, com os olhos sempre fechados pra não ver o destino, mas não exatamente do mesmo jeito, não sentindo exatamente as mesmas coisas que eu sinto agora, essa mistura de saudade-dor-apatia-certeza. Certeza de que eu tenho que ir mesmo, indepedente do praonde e do porquê, eu só preciso sair desse lugar o mais rápido possível, antes que esse mar de evidências inunde tudo isso aqui e me afogue, Você não teve tempo de me ensinar a nadar.

Mas com esses olhos fechados, com esses malditos olhos fechados e essa sua gargalhada ecoando dentro da minha cabeça e chacoalhando meus pensamentos como num liquidificador, comigo mergulhando fundo no mar como os bolsos cheios de pedras pesadas pra não boiar nem depois de morta, pra que ninguém me consiga ver nem depois de morta como Você não me viu a vida toda, Você com seu queixo pontudo ridículo e sua gargalhada ridícula e sua vida perfeita ridícula. E mesmo assim, com o ar rareando nos meus pulmões, mesmo assim e ainda assim, sua cara seu cheiro seu gosto sua ausência me envolvendo como o líquido amniótico envolve um feto, só o barulho do borbulhar do ar que me ainda me resta e me escapa, só o barulho da sua gargalhada cada vez mais longe longe longe e eu afundando como se fosse leve leve leve.


A única e última e mais absolutamente importante coisa que eu penso nessa vida é por que Você não me ensinou a nadar? como se de alguma forma isso fosse me salvar do feixe de coisas que não viverei com Você.

1 de dez. de 2009

Reticências

... e reticências por favor, para ocupar o vão enorme que povoa a minha mente. Meu recurso pra não dizer que não existia nada antes do agora. Mas o que existia - se é mesmo que existiu um vão momento de lucidez - não importa agora. Nada importa agora. Só os calos dos meus pés, o sol forte esquentando a minha cabeça e esse vento que sopra na direção contrária dos meus passos.
Os automóveis, os pedestres, o sinal parado no vermelho. Se eu tivesse coragem, agora quando esse maldito sinal abrisse eu me atiraria em qualquer um desses carros de luxo e colocaria fim em toda essa baboseira que eu não paro de pensar. Quase posso ouvir o barulho seco do meu corpo magro amassando o capô prateado de um sedã de luxo, a poça de sangue tingindo lentamente o asfalto quente de vermelho enquanto eu agonizo até morrer. Mas nem coragem eu tenho. Nunca tive.
O sol cada vez mais quente, o vento soprando cada vez mais forte, talvez se mais forte me arremessaria dali, me levaria voando pra algum lugar bom, eu penso, tão infantil, tão boba, tão menina-amarela-que-ainda-devaneia-com-castelos-flutuantes-feitos-de-pura-matéria-de-amor-perfeito-sem-fim. Como se tudo isso que é bonito, fadas, doendes, sereias, unicórnios, pote de ouro no fim do arco-íris, nuvem de algodão doce, carona em estrela cadente, amor que dura para sempre, existisse. Como se a realidade não tivesse a cor do sangue que corre nas minhas veias depressa, bombeado pelo meu coração que não cansa de palpitar em vão seus anseios. Que suspira e vibra tenso no meu peito, ecoando o aviso prévio da morte sem cor que me assaltará um dia.
A avenida não tem fim. O sol continua lá, parado no meio do céu, a pino, fervendo o resto da minha lucidez. O vento continua soprando, me impedindo um pouco de caminhar, mas eu caminho, não por vontade, não por escolha, pura falta completa de opção. Qualquer lugar será melhor que aqui. Qualquer companhia será melhor que a minha. Qualquer sensação será melhor que essa.
E por fim, mais reticências. Pra dar esperança de que minha vida ainda tem continuação...

21 de nov. de 2009

Costela de Adão

Quem criou você fui eu, baby
Então deixe de ser besta
Vem pra cá
Quem desenhou você fui eu, baby
Então largue de ser besta
Pare de esnobar
Que assim como te inventei
Posso sim desinventar

18 de nov. de 2009

Dimitre

Foto por Maiara Cerqueira

Quando vi Dimitre pela primeira vez, podia jurar que tinham aberto os portões do Olimpo e deixado escapar o deus mais encantador. Ele era o homem mais lindo que eu já tinha visto nos meus trinta e um anos, e posso apostar que se vivesse trinta e uma vezes trinta e um anos, não encontraria outro ser que se pudesse equiparar.
Ele tinha quase dois metros de altura e carnes na medida certa. Cada pedacinho do corpo de Dimitre parecia milimetricamente esculpido pelo mais talentoso artista. Sabe o Davi de Michelangelo? Perdia de goleada. Principalmente por um detalhe, que eu viria a confirmar logo depois.
Nos conhecemos na praia. Eu metida num maiô monocromático, estirada me bronzeando quando fui atingida em cheio na cabeça por uma bola de frescobol. Levantei num salto, já xingando Deus, o mundo e quem mais aparecesse, quando o vi correndo em minha direção em slowmotion, sunga vermelha contrastando com o bronzeado recém adquirido, cabelos extremamente lisos molhados da água do mar: morte súbita, sem direito a extrema unção.
Me pediu mil desculpas, como se precisasse. Lindo daquele jeito, tivesse me acertado um dardo envenenado no peito de próposito, capaz que eu risse e dissesse "que nada broto, ops, morri" só por tá de frente àquela boniteza toda.
As feições, como todo o resto, eram perfeitas. Olhos miúdos e rasgados da cor do céu. Os lábios grossos adornavam uma fileira de dentes perfeitos, formando uma boca que cometia homicídios todas às vezes que se abria num sorriso. Tudo isso eu reparava sorrindo com cara de boba, enquanto ele estendia a mão pra pegar a bendita bola de frescobol. Foram alguns segundos que pareceram umas três horas, eu parada alí debaixo do sol quente, já ficando tonta de tesão ou por causa da pancada, admirando aquela criatura máscula e deliciosa seminua à minha frente, desejando-a como um lobo deseja a sua presa. Viajei legal. Salivei. Enrubeci. Por fim, entreguei a bola, e me enfiei debaixo do primeiro sombreiro que apareceu.
Sorte minha que o moço não ligou pra minha falta de sutileza. Sentou do meu lado, puxou conversa e lá pra quando a maré estava baixando, me ofereceu uma carona de volta pra casa. Olha, nunca fui dessas mulheres de dar no primeiro encontro, ainda mais quando não é um encontro propriamente dito. Mas bem, era Dimitre. E era verão. E estava muito calor, ele me ofereceu um Sex On The Beach - nada mais apropriado - na cozinha da casa simpática dele, e eu ainda estava tonta da bolada... e era Dimitre. Se aquele homem me pedisse um pedaço do céu eu daria um jeito de pegar. Ele só me pediu pra abrir as pernas. Na verdade, nem precisou pedir.
Quando eu dei por mim, já estava me embolando com aquela criatura pelo chão. E pela parede, e pela mesa, e pelo vaso sanitário, e pela máquina de lavar. Aquelas cenas que eu vivi a meia-luz naquela casa de veraneio, não poderiam ser descritas exatamente da maneira que sucederam. Foi puro êxtase, um sonho surreal com gosto de saliva e sal, arranhões pelas costas e mordidas no pescoço. Visitei o paraíso sem ter parado no purgatório. Provei do mais puro veneno e não morri. Ou morri. De tesão, nos braços do maior amante que conheci.
Ao amanhecer fui embora sem me despedir. Ele continuava dormindo, suado e nu, espalhado displicentemente pela cama desforrada. Peguei minhas coisas, meu maiô, minha saída de praia, e saí nas pontas dos pés, sem nem sequer deixar o número do telefone.
Homens como Dimitre foram feitos para apenas uma noite. Eles não são homens de verdade, são semideuses, falhas na nossa lucidez, personificação da boniteza - e mais - um perigo se usados em demasia. Tive minha dose de Dimitre na medida certa, e já podia pegar o ônibus de volta pra vida real.
Mas só por descargo de consciência, escrevi de batom meu email no espelho do banheiro dele. Quem disse que um raio não pode cair duas vezes no mesmo lugar? E bem, ele notavelmente era muita areia pro meu caminhãozinho. Eu precisaria fazer duas viagens.

12 de nov. de 2009

Quando você descer do céu

Ele me beijavava como uma borboleta pousa leve no aveludado de uma pétala de rosa, suave e doce como eu consigo imaginar, depois de tanto tanto tempo sem ele. Não lembro mais detalhes do seu rosto - faz tanto tempo - além dos seus olhos amendoados sempre muito negros, sua boca quase avermelhada, e a fileira perfeita de dentes absolutamente brancos. Parecia um anjo. Com o cabelo tão liso e tão escuro como a asa de uma graúna. Tem dias em que fecho os olhos e o rosto dele é um borrão cravado nas minhas retinas. Outros, eu quase posso vê-lo sorrindo tímido pra mim, rubor subindo pelas bochechas, olhar de quem não sabe o que dizer. Mas ele nunca dizia nada.
Faz muito tempo que ele foi embora, e nem sei mesmo o porquê, nem pra onde, nem como, na verdade talvez ele nem tenha ido embora. A ausência dele aqui presente, antes grande e tão quase insuportável, hoje uma mera imagem desbotada, apenas o gosto quase inexistente de um beijo doce, talvez inventado, talvez vivido, as coisas se confudem na incessável dança do tempo. Que ao mesmo tempo me cura e o mata. Mas anjos morrem? Eu ainda ouço o ruflar das asas dele como naquele dia que não sei direito qual, e que eu senti meu coração dar três saltos no peito e um gosto de ferro vir à boca, e sabia que nunca mais o veria, e sabia que ele talvez nunca tivesse existido. Mas enquanto houver vida e as noites forem claras e o azul escuro do céu for quase tão negro quanto a íris dos olhos dele, eu ainda procurarei a estrela mais amarela, mais brilhante, e saberei que meu anjo rufla as asas douradas em algum canto do meu coração.
Look at the stars, look how they shine for you and everything you do. Yeah, and they are all yellow.







Yellow - Coldplay.

9 de nov. de 2009

Dedo podre

Cibele conheceu Plínio na arquibancada de um circo. Entre uma pipoca e outra, Cibele reparou no rapaz espirituoso que sentava na cadeira vizinha. Plínio era simpático demais, sorridente demais, engraçado demais. Sempre com uma piada pronta, com uma brincadeira engatilhada, Plínio fazia todo mundo cair na risada. Não deu outra: Cibele se apaixonou instantaneamente pelo seu sorriso e suas piadas bem contadas. Saíram dois, três, quatro meses até Plínio dizer que enjoara da mesma piada, a única que Cibele sabia contar, e contar mal, diga-se de passagem.
Superado o fim do romance, Cibele resolveu passar o fim de semana na ilha com as colegas de trabalho. E foi na beira do mar, bezuntada de cenoura e bronze, que Cibele conheceu Alfredo. Alfredo era loiro, alto, forte, musculoso e tinha um rosto de dar inveja a qualquer mortal. Cibele se apaixonou instantaneamente pela sua pele bronzeada, seu bumbum durinho e seus olhinhos azuis como o mar. E era mesmo bonito, o danado. Saíram dois, três, quatro meses até que Alfredo a trocou por uma modelo russa. E era mesmo bonita, a danada.
Aí nessas horas, aonde fica a auto-estima da mulher? Indignada, cheia de sangue nos olhos e pêlos encravados, Cibele marcou um dia de beleza completo no salão. E foi lá que ela conheceu o Jayme. Jayme era o cara mais sensível e educado que ela já vira. Gentil, cedeu o lugar para ela, enquanto esperava pra fazer a sobrancelha - "Um pelinho aqui no meio, é que eu tenho monocelha" - disse lépido. A derretida Cibele se apaixonou instantaneamente pela sua delicadeza, seu romantismo e seu bom gosto para tonalizantes. Saíram dois, três, quatro meses até Cibele o pegar na cama com o cabeleireiro mais talentoso que ela conhecia - o único que fazia a escova durar 4 dias sem enrolar - duas perdas!
Cibele já não tinha o que fazer. Não comia direito, coitada, não dormia, chegou até a ficar de cama. Levaram-na as pressas pro hospital, e foi num leito da enfermaria, que Cibele conheceu Otávio. Cuidadoso, Otávio tratou da doença de Cibele, que não tinha nada além falta de sorte e dedo podre pra homens, o que médico nenhum curaria. E como já era de se esperar, Cibele se apaixonou instantaneamente pelo doutor. E saíram dois, três, quatro meses até Cibele descobrir que Otávio era casado. E que aquela marca esbranquiçada no dedo anular da mão esquerda, não era vitiligo, como ele afirmava ser.
Cibele não tinha mais lágrimas pra chorar, mais álcool pra beber, nem forças pra se revoltar. Aceitou tudo com resignação e na semana seguinte já tava de passagens compradas para Paris. E no avião, Cibele conheceu Tierri. E o matou com 23 facadas três semanas depois.
Sempre melhor prevenir.


P.s.: Texto antigo, não conseguia dar um desfecho interessante pra a história. Acabou ficando isso aí, ainda desinteressante.
P.p.s.: Afagos!

3 de nov. de 2009

Sei que tu voltas

As melhores partes dos dias que antecederam a tua ida, eram as manhãs. Mornas e ensolaradas, o sol invadindo sem pedir licença o nosso quarto de dormir. Eu acordava todo dia antes de ti, só para poder te olhar adormecido - lindo. Olhos cerrados, bochechas marcadas com vincos de travesseiro, às vezes ressonando leve, quase sempre totalmente descoberto, sempre suado. Poderia passar a vida inteira do teu lado na cama, te olhando sem fazer barulho, reparando em cada traço do teu rosto. Mas tu acordavas de súbito, sorrias e beijavas a ponta do meu nariz. "Moleca, não me olha assim", e me abraçavas. Foram as mais lindas manhãs da minha vida.
Não me lembro ao certo em qual estação estávamos quando tu foste embora. Sei que fazia calor, e tu passavas o dia sem camisa andando pela casa, podia ser verão ou primavera. Lembro-me muito bem do verde vibrante da relva no jardim, e das flores, nunca antes tão bonitas. Tu sempre teves a mão boa para plantas. Nossa casa vivia florida, e não havia um dia sequer sem ter flores enfeitando a mesa do jantar.
Não choveu um dia na semana em que tu me deixaste. O céu estava limpo e claro, e a lua cheia estava tão iluminada e amarela quanto um farol. Nos deitávamos de barriga para cima na grama, e brincávamos de contar estrelas, vez em quando tu me mostravas uma constelação ou outra, e me contava uma antiga lenda grega. Me dizias que eu era a tua Psiquê, e tu eras o meu Eros. "Amor e alma, pequena. Nunca felizes separados". E quando uma estrela cadente despencava do céu, fazíamos um pedido. Eu não tinha mais o que pedir. Já tinha a ti, nossa casa, nosso gato angorá preguiçoso e um jardim com girassóis. Meu pedido era um agradecimento. Ou um beijo. Que sempre se realizava.
Na tarde da tua ida, eu tinha tirado as cortinas de seda azul para lavar, e tinha feito um bolo de chocolate com nozes e avelã. Era receita da minha avó, e o seu preferido. Coloquei ração pro gato, molhei as plantas e me sentei na velha cadeira de balanço pra ler um conto de Allan Poe. No exato momento que soube da sua ida, estava tocando um jazz na rádio, e lembrei-me de súbito de ti. Derrubei o copo de água que estava na mesinha ao meu lado, que se espatifou no chão em mil pedaços. Alguns minutos antes do telefone tocar, eu já tinha recolhido os cacos de vidros do chão e colocado o tapete persa pra secar no varal. Pensava em ti e tudo a nossa volta pulsava parecendo ter vida naquele exato momento em que a voz do outro lado da linha parecia me cortar como um punhal sem cabo.
Hoje faz um par de meses que tu foste embora, e nossa casa parece mais bonita a cada dia. Tem margaridas enfeitando o parapeito da janela, e troquei as cortinas azuis por outras mais alegres. Visto-me sempre com vestidos floridos e rodados, e os cabelos trançados como sei que tu gostas. Nunca deixo de fazer o teu bolo favorito, porque sei que tu voltas. E minhas lágrimas regam as flores mais bonitas do jardim, as flores que enfeitarão o túmulo que dizem ser teu. Mas não é. Pois sei que tu voltas. Foste só buscar um pote de estrelas pra tua Psiquê.

1 de nov. de 2009

Arrête là, menina


Ela era bonitinha, bonitinha. Andar cheio de graça, olhos negros desmaiados, jeitinho manso de falar: sempre obediente. "Coitada da Lucinha, tão frágil, tão inocente. Não sabe é nada dessa vida, vai é levar trompaço nas esquinas" - diziam as senhoras na quintanda, entre o apalpar de um tomate e outro. "Será que casa? Será que alguém há de querer aquele mosquitinho? Tá no fado da miúda ficar só". O que, de certa forma, era bem verdade.
E quando num dourado dia de domingo, enquanto as crianças tomavam sorvete de flocos na praça da igreja, enquanto as mocinhas solteiras flertavam com toda a ala masculina disponível na cidade, enquanto as beatas babavam na batina do padre, enquanto as fofoqueiras fofocavam, os bêbados bebiam, e os automóveis corriam pra lugar nenhum, enquanto tudo e todos viviam as suas vidas normais que somadas (muitas vezes até multiplicadas), não dariam meio conto de réis nos dias atuais, enquanto todos caminhavam lentamente ou rapidamente em direção a morte, a moça donzela dos olhos desmaiados sonhava com a vida que levaria quando fosse embora dali. Sentada na cadeira de balanço, Lucinha cerrava os olhinhos de azeviche e devaneava feito borboleta com as coisas que veria nesse mundo novo, onde as pessoas se olhariam no rosto e se preocupariam mais com a cor dos olhos do que com números, onde o tempo correria manso e os ponteiros dos relógios teriam a mesma importância que ácaros.
Morreu sorrindo, e ninguém notou. Só comentaram do caixão branco.

24 de out. de 2009

Mais um trago


Acendo mais um cigarro e penso nele. O gosto da nicotina nos meus lábios, o gosto dos lábios dele na lembrança. Vou morrendo aos poucos, vou virando cinzas vendo a nossa história se apagar de vez. Fumo mais um cigarro e penso nele como se não houvesse mais nada pra se pensar, como se a minha existência estivesse atrelada apenas a pensar nele, a pensar no nós que já se foi. Eu penso e fumo, como se não houvesse mais nada a se fazer. E não há.


E eu só sei pensar em você e fumar esse maldito cigarro.

14 de out. de 2009

Árvore

Para os pessimistas, a morte é o fim de tudo. Para os otimistas, a morte é o começo da vida eterna. Algumas religiões diriam que o que importa é ser bom aqui na terra, pra ir pro paraíso depois de morrer. Outras, acreditam em outras vidas. Eu não concordo nem disconcordo com nada. Só sei de uma coisa: a morte pra mim tem gosto de café amargo tomado às pressas, corpo dolorido de cochilar sentada, e olhos vermelhos de não conseguir chorar.

O que eu mais gostava daquela casa era o quintal. Era um só, e unia o fundo das três casas vizinhas: a principal, a da minha tia, a da sua filha mais velha, e a de meu primo, seu único filho homem. Todos os dois casados e com filhos, filhos esses que hoje brincam à sombra da velha aceroleira que conheci ainda pequena.
Engraçado que quando eu soube da notícia, eu quis lembrar dos momentos que eu passei com ela. Relembro seu rosto, sua voz serena, suas mãos brancas e finas, seus cabelos prateados. Mas não consegui me lembrar de nenhum episódio com a clareza necessária pra narrar. Me lembro mais da casa, e da figura dela lá. Na cadeira de balanço ninando os netos, no sofá vendo tevê, no quintal passando pra cima e pra baixo. Cuidando. Era o que ela mais fazia.
Por isso que ontem, mesmo sabendo que ela nunca mais sentaria naquela cadeira, que ela nunca mais ferveria o leite no fogão, nem gritaria o nome dos netos da porta da cozinha, percebi que ela nunca sairía de lá. Que ela sempre estaria alí cuidando da gente. Como a velha aceroleira. Porque árvore, só morre por fora.

Descanse em paz, minha tia.

7 de out. de 2009

Sobre o tempo

Nunca entendi muito bem a necessidade que as pessoas tem de saber das horas. Pra mim, tanto faz como tanto fazia: se era de noite ou de manhã, se era hora do almoço ou era verão, se faltava dez minutos pra acabar o dia ou vinte quatro horas pra começar um novo. Não me importam os prazos nem as frequências; não me importam o badalar dos sinos nem o correr dos ponteiros. Sempre tive medo do passar do tempo. Ele é cruel, enruga, e leva sorrateiro a lucidez.
Lucidez essa, que eu nem tenho mais a essa altura da madrugada. Depois de tanto beber, e fumar, e cheirar, e trepar, só me restam um corpo insone e uma mente pertubada – além de carteiras de cigarros amassadas, cinzas espalhadas pela mesa, garrafas, e uma puta sonolenta dormindo semi nua no meu velho sofá-cama. Desse lado da sala não consigo ver seu rosto. Talvez seja bonita e nem seja puta, talvez seja uma velha amiga que eu reencontrei na rua e convidei para tomar um vinho, talvez esteja tão completamente bêbada e drogada que não se lembre de nada tanto quanto eu, talvez seja uma desconhecida casada e com um casal de filhos gorduchos, talvez seja pobre e ignorante, talvez esteja morta, talvez seja fruto da minha imaginação. Ela permanece inerte a poucos metros de mim, e eu daria tudo – tudo – para ela realmente ser fruto da minha imaginação.
Bebo o último gole de uísque que restava no copo, barato e tão quente, que descia pela minha garganta como se tivesse unhas. Não reparo. Pensava sobre o quê, o tempo? Sobre os acontecimentos que atravessam a vida da gente como navalha, cortando a carne, ferindo a pele, matando aos poucos. Como o álcool que me entrerte, como a droga que me dopa, como o sexo que me agrada. Aos poucos, me matam aos montes.
Não saberia dizer como cheguei a esse ponto. E nem importa, na verdade, o que importa é que cheguei. Fundo do poço, alguém diria. Mas meu poço não tem fundo, e enquanto houver tempo, continuarei descendo cada vez mais, cada vez mais, cada vez mais. Me olho no espelho e não consigo enxergar nada.
O tempo me roubou de mim.

6 de out. de 2009

Bonito

Sim, são os olhos meus
Que te medem de cima a baixo
Que te encaram sem cansar
Meus olhos que não cansam de querer os teus
Sim, são os olhos meus
Que te desejam como um lobo a um cordeiro
E te devoram aos bocados
Cada minúcia
Cada pedaço
Tanto a ponta do teu nariz
Quanto a nesga do teu sorriso
Olhos que se perdem no mar dos teus
E que como naufrágos, perdem-se
E que como afogados, debatem-se

Se te acho bonito?
Sim, e são os olhos meus!



P.s.: É, gente, acho que estou de volta. Andei muito infértil ultimamente. Na verdade, talvez não. Talvez apenas preguiçosa.
P.p.s.: Obrigada a todo mundo que faz questão de passar por aqui, que faz questão de comentar, de criticar, de gostar ou desgostar. Assim dá tão mais vontade de continuar!

9 de ago. de 2009

Três Flores

Dália

Lábios vermelhos. Lábios vermelhos de amor, eu digo e reparo que em mim não resta mais nem uma gota de lucidez. No meu copo, apenas mais um ou dois goles de vodca pura. Lábios vermelhos, pois sim! Rubros, escarlates, luxuriosamente vermelhos, febrilmente vermelhos. Gargalho sozinha, garganta queimando da bebida quente, olhos ardentes de loucura e dor. Ando meio trôpega em direção a varanda, e antes de me jogar do décimo quinto andar, passo mais uma vez nos lábios o meu batom favorito. Vermelho. Vermelho como o meu sangue que tingiu a calçada numa calma manhã de abril.
...




Rosa

- Eu nunca disse que amaria você, eu nunca lhe escondi os meus sentimentos. Não me cobre uma coisa que eu nunca prometi lhe dar. Se foi só sexo? Sim. Se eu gostei? Nem sempre, pra falar a verdade poucas vezes. Você não faz meu tipo. Você nem de longe faz meu tipo. Eu gosto de garotas bonitas.
E saiu batendo a porta na minha cara. E saiu estraçalhando o meu coração como sempre fazia. Agora de vez, agora pra sempre. Mas o pior é que eu não conseguia odiá-lo. Nem quando senti meu corpo sendo arremessado pela janela do velho carro que eu usei pra ir atrás dele, nem quando senti minha vida escorrer pelos meus membros ralados no asfalto quente numa não tão calma tarde de abril.
...




Margarida

Me caso amanhã. Está tudo pronto, do buquê de flores aos bem-casados. Me casarei com o homem da minha vida, o único homem da minha vida. Passei minha infância ao lado dele, minha adolescência e não vejo a hora de passar o resto da vida dividindo um lar com ele, construir uma família com o homem que escolhi pra ser o meu marido. E pensando nele, pensando no nós, no nosso futuro, eu caminho pelas ruas quase desertas nessa quase madrugada fria. E pensando nele eu quase não vejo um homem correndo em minha direção com algo brilhante na mão. E pensando no sorriso dele me vendo entrar toda de branco no altar, eu caio na calçada, costas ardendo de um tiro que não era pra mim. E morro pensando na vida que não vou viver, e morro pensando nos sonhos que não vou sonhar, nos beijos que não darei, nos filhos que não terei. E o meu corpo inerte atrapalha o tráfego numa agitada noite de abril.
...

5 de ago. de 2009

Sonhe Comigo

Ainda morro em seus braços, eu sussurro. Ainda morro, meu bem, e morreria feliz. Ele sorri e passa a mão nos meus cabelos como sempre faz, morde os lábios e me puxa pra mais perto dele. Meu coração dispara, ele já não deveria ter se acostumado a tê-lo sempre perto assim? Mas meu coração me entrega e cada vez que ele me toca é como se fosse a primeira vez. Cada beijo é como se fosse o nosso primeiro, cada sensação é nova e única como se estar com ele me devolvesse toda a minha virgindade de existir. E dou risada enquanto ele me abraça forte e me morde as bochechas, me enlaça a cintura como pra nunca mais soltar. E eu daria tudo pra ele nunca mais soltar.
Pela janela do quarto eu posso ver o céu estrelado que nos observa num silêncio infinito. As estrelas brilham como nunca, e eu poderia dizer meia dúzia de palavras bonitas pra descrevê-las, palavras já ditas por célebres poetas e compositores. Mas todas as palavras bonitas que eu me lembro, uso pra descrever o moço que me abraça apertado e me pede pra nunca ir embora. Mas se ele visse os meus olhos sob a luz da lua e das estrelas, se ele pudesse escutar com clareza as batidas do meu coração, se ele pudesse sentir o que eu sinto quando olho nos olhos dele, quando beijo os lábios dele, ele saberia que nunca precisaria pedir isso.
E eu te peço, amor, quando estiver longe, sonhe comigo. Sonhe comigo quando estiver distante de mim, e se por acaso estiver em outras camas e em outros braços, ainda assim sonhe comigo. Porque até acordada eu sonho com você.
E a brisa que nos beija, parece mesmo dizer “eu te amo”.



P.s.: Pra ler ouvindo "Dream a Little Dream Of Me - Versão The Mamas And The Papas"
P.p.s.: Definitivamente, eu perdi a mão. Acho que vou ficar away por um tempo, já que não tenho mais ideias novas. :/
Ou não, né? Tem uns dois meses que eu tento escrever uma novela! Quem sabe não sái logo? ;D
Um beijos!

1 de ago. de 2009

Mãe


Eu nunca vou esquecer daquele cheiro. Aquele cheiro das mãos dela, uma mistura de sabão com água sanitária, o cheiro daquelas mãos macias que me afagavam os cabelos e segurava forte o meu rosto pra me beijar as bochechas. Cheirar, ela diz que cheirar é mais bonito que beijar, porque você sente o cheiro da pele do outro. Eu lembro que passava tardes sentada ao lado dela, vendo-a lavar as roupas minhas e do meu irmão, esperando o último enxágüe pra poder chupar as peças de roupa antes de estender. Eu acho que ela não achava aquilo muito saudável, mas eu gostava e ela fazia tudo pra me agradar. Ela fazia tudo pra que eu tivesse tudo que pudesse me dar, e o que não pudesse também, parece que a expressão “das tripas coração” foi feita especialmente pra ela. Eu lembro também das muitas e muitas lágrimas que vi escorrer pelo rosto dela, algumas de alegria, muitas de tristeza. Não entendia metade delas, eu cresci vendo minha mãe chorar por tudo e por todos, sem nenhum motivo aparente, então pra mim era algo comum. Mas agora eu sei que as lágrimas que ela derramou por besteiras eram só pretextos pra esconder os reais motivos de tanta choradeira. Minha mãe sofreu por coisas que ela nem mesmo sabe.Meu espelho. Eu vejo a figura da minha mãe lendo um romance folhetinesco, óculos apoiados no nariz, pernas estendidas displicentemente sob o sofá, esperando o chamado de um dos filhos pra largar tudo e atender, e vejo como eu serei amanhã. Não tão branca, não tão jovem, não tão linda, não tão altruísta, mas com a mesma essência. E nada me orgulha mais do que a possibilidade de ser ao menos metade da metade do que ela é. Meu orgulho. Mãe, pai, irmã mais velha, melhor amiga, professora, companheira. Meu tudo. Só uma coisa, eu não sei se eu conseguirei ser tão forte. Ser tão guerreira, ser tão raçuda a ponto de conseguir cuidar de si, duma casa e de filhos não tão exemplares assim. “Filhos maravilhosos, você e seu irmão, minha vida”, ela diria. Mas eu sei que ela merecia mais, muito mais. Viver distante dos seus e da sua terra que um dia foi tudo, abdicar de uma vida pelo nosso futuro. Uau, mãe! Quem dera ser eu que nem a senhora! Não só compartilhar o mesmo sangue, o mesmo signo, o mesmo gosto pelos livros, mas também essa coisa que te faz levantar todos os dias pra sobreviver. E seria pedir demais querer ter nas mãos o mesmo cheiro e a maciez das suas, e querer ter o colo tão quente e olhos tão puros quanto os seus? Eu te amo mãe. Te amo, e tenho o maior orgulho do mundo de ter nascido filha sua. Só não me manda arrumar o guarda-roupa de novo que eu posso mudar de ideia...

30 de jul. de 2009

Passio


E falta ar. Sufoca, oprime o peito, lhe faz arfar - mas você nem liga. Você tá quase morrendo, e nem liga. Porque como diria Quintana, é tão bom morrer de amor e continuar vivendo!
O coração anda derretido que nem manteiga no pão quente, anda pulando mais que pipoca estourando e mais feliz que palhaço em estreia de circo. Você anda sorrindo sozinha feito uma abestalhada, as pessoas ao redor reparam e devem pensar, "meu deus, como ela é piradinha", mas eles não sabem da missa a metade. Não sabem o que passa no filme do seu pensamento, não sabem do formato da imagem que não desgruda da sua retina. E você anda saltitando, e você meio que dança no meio da rua, rodopiando entre os carros, brincando com as crianças, mexendo com os cachorros, dando bom dia boa tarde boa noite muito obrigado como vai o senhor? e a senhora? E as cores da cidade parecem mais vivas, as pessoas parecem mais felizes, os sorrisos mais largos, o verde dos sinais mais demorado. Você não sabe porque, mas você sabe.
Você sabe que pra sonhar não precisa tá dormindo. Não precisa nem deitar, nem mudar de posição. Você sabe que pra voar não precisa ter asas, nem comprar passagem de avião. E que pra enxergar alguma coisa, você não precisa necessariamente olhar com os seus olhos. Não precisa nem ver. Você sente, você sabe. Mas, falta o ar. Sufoca. E sabe do que mais? Você tá adorando.

26 de jul. de 2009

Uma queda

Existiram milhares de Tiagos
Vários Pedros, alguns Otávios
Que tentaram me conquistar

Não que não fossem atraentes
Sexys ou inteligentes
Eles até eram bonitinhos
Mas não, não era pra ser

Aí você me apareceu
E contigo foi diferente
Você foi, hmm, persistente
E eu reparei
Que tinha uma queda por você!


Meu Romeu de olhos castanhos
Eu tenho uma queda por você
De dia, de noite
Aqui ou lá
Eu tenho uma queda, meu amor
Uma maldita queda
Por você


Quando você me beija
Quando você sorri pra mim
E até quando me irrita
Eu esqueço
Perdoô, e até agradeço
Por ter essa tal queda por você

Você acredita, amor?
Que logo eu, fosse me apaixonar
Por alguém, tanto
E tanto e tanto e tanto e tanto assim
Tipo sempre?

E só o que eu sei, meu bem
É que eu quero você
Só quero querer você
E você e você e você
Tipo sempre!

Porque eu tenho essa queda
Essa bendita queda
Por você!

19 de jul. de 2009

Um blues rasgado


Se eu pudesse ou soubesse, eu faria um blues agora mesmo. Um bem rasgado, quase amargo, contando dos meus sentimentos, dos meus pensamentos, das minhas dúvidas, dívidas e ilusões. Talvez ele não se tornasse tão amargo assim. Mas seria rasgado pra que arrancasse aplausos e suspiros da platéia, encantados com a minha dor cantada e interpretada por vozes dramáticas. Minha dor quase inexistente. Vi ou li em algum lugar, que é a dor que sustenta, que dá sentindo a vida. E olhando pra trás, e pros lados, e pra frente, eu vejo que não tenho dor nenhuma pra me sustentar. Eu invento problemas, e equívocos, e tramas traçadas pelo meu fado incerto, a minha bifurcação no final da linha do destino não pode ta aqui em vão, o horóscopo desse mês diz que essa fase vai passar. Eu procuro, eu fantasio, eu viajo, eu fujo, eu me escondo dos outros e de mim mesma, e pior. Tudo isso rápido demais, e mais rápido e rápido e rápido e rápido e rápido como num liquidificador de emoções, e a água não para de cair no meu corpo e bater no azulejo branco do banheiro, e os pensamentos embaralhados embaralhados embaralhados, um filete de sangue escorrendo pela minha coxa e correndo pro ralo, serpenteando até desaparecer quase por completo. Meu destino. Eu queria fazer um blues que contasse toda essa história de não-ser, dessas desventuras amorosas, desse desapego. Eu escreveria esse blues, e seria o último e o único, pois nele eu diria todas as coisas que eu quero dizer, e depois dele eu vou perceber que todo esse falatório só faz sentido mesmo pra mim e pra minha cabeça prolixa como um oceano, mas aí eu já vou ter dito besteiras, já terei feito confissões e promessas, e declarações de amor ao meu amado, declaração de ódio a todas as coisas que eu odeio, ou digo que odeio, mas que serão tão poucas comparadas às coisas que eu adoro que ninguém se importaria. Eu diria tudo a todos de uma só vez, e seria de uma praticidade incrível pra mim, já que eu tenho tanta coisa pra dizer a tanta gente. Meu egoísmo, e egocentrismo e todos esses ismos referentes a mim acabariam, porque esse blues que eu faria falaria só de mim, e tanto de mim, que não teria mais palavras pra me definir, nem necessidade de me rotular. Porque é o que eu faço todos os dias da minha vida, agora eu vejo que não passa de uma necessidade de auto-afirmação, seja lá exatamente o que isso quer dizer, eu não me importo, é só mais uma definição dentre as várias que eu conheço. E todos esses prefixos e sufixos que eu vivo usando, toda essa tentativa exagerada de mostrar pros outros que eu sou, desapareceria com o meu blues. Eu seria uma pessoa melhor depois desse blues, talvez. Eu deixaria de me deprimir, deixaria de ter crises existenciais, porque ora, quem tem crises existenciais depois de escrever um blues rasgado? Mas acontece que eu não posso, nem sei escrever um blues. Não tenho sequer uma dor pra me sustentar, não sou audaciosa o bastante pra mudar o meu destino nem auspiciosa o bastante pra tentar. Não me conheço, nem confio, imagine só, nem confio em mim. Já que é só dobrar a esquina que eu já viro outra, já que é só dormir que eu troco de sonho. E eu torno a embaralhar os pensamentos, e as decepções só aumentam, e as frustrações são uma p.g e eu percebo que nasci pra ser sozinha, e pior, sozinha sem saber escrever um maldito de um blues rasgado e sem uma maldita de uma dor! Sozinha e cheia de pensamentos desorganizados e palavras emboladas na língua, nesse meu mundo de ismos que só tem lugar para mim, se ao menos eu tivesse o conforto do meu blues rasgado, feito por e mim e só pra mim, pra mim, pra mim, pra mim.

Mas se eu soubesse ou pudesse fazer um blues, eu tenho certeza que eu nunca faria.




- Me desculpe. Eu também não consigo entender. Mas por favor, meu bem, apague a luz antes de sair.

17 de jul. de 2009

Mulher de Malandro: Souvenir pra Matheus


Mas eu e ele, entre tantos pares, entre tantos outros e outras, humanos ou não, normais ou não - eu e ele temos uma dúzia de estúpidas coincidências não tão casuais assim. Uma cabeça tão cheia de sonhos e ânsias e devaneios e vontades e ilusões que dariam pra preencher uma vida. Eu disse uma? Uma dúzia delas, nem todas medíocres. E só somos dois. (Ou mil, eu me pergunto e sei que ele também). É parecido também o coração vadio e leviano que não cansa de se apaixonar e palpitar e sofrer e sangrar e sarar, quantas vezes necessárias for pra terminar aquele samba que empacou. Esse rapaz canta e escreve e sonha em trabalhar com cinema e sonha em ser alguém, e ele só tem 18 anos, é míope e tem pensamentos vanguardistas clichês que ele jura que não são tão clichês assim. Você ainda vai bater muito com essa cara bonita, meu rapaz, e como vai e eu também vou, e bateremos juntos, quem mandou aparecer na minha vida? Ah sim, ele é temperamental demais. Deliciosamente temperamental. Sabe que eu já vi esse filme antes? Alías, filme não, ele é uma caricatura, o personagem principal do romance burlesco que eu nunca escrevi - nem escreveria. Aquele rapaz boêmio que morre por um ideal(ou por um rabo de saias, mais aplicável ao caso). Mas tem tanto tanto tempo ainda pela frente, e dentre tantos e tantos, ele é igual a mim, estupidamente e não tão casualmente igual a mim: fracassado, iludido e indecente. E ele só tem 18 anos.


"Pense em mim", ele me disse ao se despedir, tão doce... E né que eu cumpri? Pensei. Tanto que te escrevi um presente. Apenas um, senão você se apaixona por mim e aí já viu: nós dois concordamos que seriam frustrações demais.

16 de jul. de 2009

Filhos de Netuno

Estávamos nós alí, os dois sob a cúpula celeste numa noite de áries, costas deitadas na grama, braços enlaçados. Ventava pouco, cheiro de mar, o mar lá em baixo se chocava violentamente nas pedras como se quisesse chamar a nossa atenção - mas não chamava. Ele me contava das estrelas e me fazia rir, seus olhos cintilavam como a mais bonita delas e eu nem fingia enxergar o desenho das constelações que ele ia mostrando com o dedo em riste, sob o meu olhar de reprovação. Dá verruga na ponta do dedo, não sabe? Ele ria e nem ligava, ou ligava pouco.
E nós alí, o céu sem lua, o mar feroz ululando no seu cobertor de ondas, a grama fresca, nós alí, as estrelas dos olhos dele me olhando, nossos beijos longos demais, nossos corpos longes demais, nossa história sempre assim, como os mistérios do mar.

O que vai ser de nós? Eu disse meio triste, meio cansada. Mas ele nem ligou, ou ligou pouco, me apertou num abraço, me roubou um suspiro e me fitou com os olhos que agora mais pareciam a galáxia toda: buracos negros, asteróides, cometas e o que mais vier.
Nós alí, órion e as três Marias, nenhuma palavra, o sal do mar, o brilho do farol, nós alí, velados pelo céu de Galileu e da Santíssima Trindade.
E como tudo é mesmo simples e complexo demais pra ser entendido, nós apenas concordamos. Não que eu tivesse compreendido o desenrolar da história toda e do porvir, e creio que ele também não, apesar de saber que entende-lo é quase como querer enxergar as imagens que dizem que as estrelas formam, os cisnes, os gêmeos. É interessante e ao mesmo tempo surreal. E louco e desafiador. É uma viagem, mas quem não é?
Mas nós, nós somos filhos de Netuno. E não há outro destino senão esse de aceitar e de deixar-se levar como as ondas que rebentam lá embaixo, na certeza das desilusões.
Nós ali.
E o que mais importaria?

15 de jul. de 2009

Lá vai

Lá vai ela, lá vai ela

Toda bonitinha, meu deus

Laço de fita nos cabelos

Andar todo reboloso

Toda bonitinha, meu deus


E só deus sabe

O quanto eu queria

Tá laçado no laço de fita

Da moça bonita que eu vivo a fitar!


E mais além

[lá vai ela]

Toda bonitinha...

Meu deus!

9 de jul. de 2009

Essas Moças*


Na foto: Prisoca linda

Como aquelas moças que moldam corações rosados em papel machê e sonham com uma vida recheadas de sonhos inquebráveis. Aquelas, aquelas que se deixam consumir feito vela que se acaba depois de algum tempo acesa, que amam demais e se entregam mais ainda, que ainda acreditam no brilho do olho do outro, mesmo esse outro não tendo tanto brilho no olho pra se acreditar. Você sabe dessas moças? Dessas, que procuram incansavelmente por uma metade, um terço, um quarto, seja lá quanto for, essas que procuram em todos os vãos um pedacinho pra se completar. Mesmo sabendo que esse vazio estranho dentro do peito nunca será completado, seja por pedaço, pedacinho ou pedação. Essas moças bobas que riem por besteiras, que choram por bobagens, e que vestem emoções como roupa, sabe dessas moças? Essas daí, que vivem a falar de si, a se queixar, a se martirizar e a se conformar com as peripécias da vida, que nem sempre é justa, que nem sempre é bela, mas que ainda assim é a vida que ganharam. Quase sempre o que elas querem é um colo morno, um leite quente, um afago nos cabelos, meias palavras de compreensão e um sorriso sincero. Ou nada disso. Essas moças querem é poder continuar acreditando nos quereres doces, no devaneios criados para amenizar a dor da realidade tão sabida, e tão cruel. Ah, essas moças! Dessas eu conheço tantas...


*Souvenir pra Gabriela e Priscila, companheiras de sonhos e conversas no meio fio. Uma beijoca!

1 de jul. de 2009

Só pra constar

Escrevi o centésimo post pro blog de Mateus, depois de muito ele insistir, mesmo sabendo que eu achava responsabilidade demais pra mim!
Mas acho que no fim das contas ficou legal, até.
Olhem lá e tirem suas próprias conclusões!
http://hatipica.blogspot.com/2009/07/linger.html



Palavras chaves da semana:
TPM, panquecas de brigadeiro, the cranberries, lágrimas, remorso, colo, melhores amigas, sono, sono, sono, toca rauuuuuuul, coca-cola, contos, Caio Fernando de Abreu, ele, ele, ele, nós, poesias, chocolate, analgésico, sono, sono, ele, TPM, lágrimas, zero na prova de língua portuguesa, sono, saudade, frio, sono, "you know i'm such a fool for you", fones de ouvido, noites em claro, sono, sono, TPM.
E eu só sei de uma coisa, viu velho: eu só acredito no horóscopo.

29 de jun. de 2009

Amargo


Meus dias são pó de ilusão, a rotina de amar quebrada se esfacela em minha frente e eu não sei o que fazer. Aliás, eu nunca soube. Acabei me deixando encantar por amar o incerto, por acreditar na certeza do que não havia. O destino me seduziu, eu indecentemente me deixei levar, eu quis, confesso. Não posso nem odiar o destino, mas também não preciso aceitar.
Minha dor é uma só, a razão pela qual eu descobri tarde demais que não tinha volta. Pode ter fim, certeza que terá, mas nunca voltará a ser como antes. Depois que alguém entra num rio, nem esse alguém nem o rio ficarão iguais. A gente perde um pedacinho de nós com os encontros. E deve perder um pedação com os encontrões.
Eu deixei um pedacinho da minha alma lá, e só agora me dou conta disso. Meu coração eu sabia que já tinha sido furtado, mas era essa a intenção. Só não pensei que sufocasse tanto, tanto, a ponto de me deixar sem ar, tentar reaver o coração roubado. Dói.
O melhor disso tudo é que eu sei que irá passar. Talvez não amanhã, talvez não depois, talvez não tão cedo, talvez minhas forças não voltem tão cedo, talvez eu tenha que esperar o ruflar das asas de uma borboleta, ou a volta do mundo namorando o sol, mas vai passar e eu vou continuar vivendo alegre, feliz, e amando. Afinal, não é essa a pseudo-mania brasileira de não desistir de viver? E viver pra mim, é amar.
Mesmo amar sendo por vezes amargo.

25 de jun. de 2009

Porvir

Eu agora estou esperando por uma resposta.
Eu caminho meio livre por um caminho meio incerto, o ar tem gosto de canela e a próxima estação está perto de chegar. Eu caminho meio sem rumo ou melhor, meio não, a gente nunca tem um rumo certo. Quando a gente pensa que tá seguindo o caminho direitinho aparece uma bifurcação bem na sua frente e você não sabe que caminho mesmo seguir. Como na minha linha do destino, mal riscada na minha mão. Seu destino vai bifurcar no final, ela diz. Mas eu não sei na verdade se acredito no destino, nem sei na verdade se acredito no final. Só sei que é feliz imaginar que eu terei escolha. Porque o meu medo maior, é não ter o que escolher.
E eu continuo caminhando em passos lentos, de mansinho pro mundo não acordar. Se o mundo acorda enquanto a gente pensa, confunde todos os pensamentos mal pensados. Às vezes é melhor passar despercebido por ele. Seguro com certeza é. Mas você conseguiria viver totalmente despercebido? Eu não. E não teria graça viver tão seguro também.

Mas preciso pensar e é melhor eu andar bem devagar agora. A brisa brinca com os fios dos meus cabelos: já vi que terei trabalho pra arrumá-los depois, como estou tendo pra arrumar as idéias. Mas eu não ligo muito, gosto do vento. Gosto do barulho que ele faz ao passar pelas folhas das árvores derrubando algumas, acariciando todas. Piso nas que já estão no chão, me agrada o barulho também. É seco e objetivo. E assim devagar ainda, pisando leve pelas folhas secas, eu procuro a resposta da pergunta que ainda não fiz. Não sei se procuro mesmo, ou se espero por ela. Não sei se tô indo atrás dela ou se ela que tá vindo atrás de mim. Não sei de muita coisa, não sei de nada. Só sei que ando como se não houvesse outro jeito de continuar vivendo, penso como se não tivesse outra saída, ainda esperando aparecer alternativas de mão beijada na minha frente, mas a minha parte racional diz que não, diz que não. Vamos, vá atrás do seu futuro, ela me diz. Eu finjo não escutar: viver o presente já tá complicado demais.



*Um obrigado e uma beijoca pra Mateus, por me aconselhar quanto ao término do texto!

23 de jun. de 2009

Fotopoesia I






Primeira de uma série.
Ou não!

22 de jun. de 2009

Por você



Eu quis dizer tantas coisas
Com aquelas coisas que eu quis dizer
E enquanto você sorria lindo
Nunca levando a sério
O meu não-dizer
Eu só queria te acalentar
Te por no colo e te poupar
Das tristezas do seu mundo
Porque se você não fica triste, amor
Eu fico triste por você
Porque se você não chora, amor
Eu choro por você

Porque se você não ama, amor
Eu amo por nós dois!







P.s.: Blog com cara nova ;)
Gostaram? Ou o verde-esperança era mais a minha cara?
P.p.s.: Não fumem! Eu sou uma atriz! :D

16 de jun. de 2009

Dois pontos

E no espelho dos meus olhos
Procuro pela pessoa
Que um dia eu fui
E que não deixou saudades

14 de jun. de 2009

Cantiga de amor


O ar tem gosto de hortelã, a luz do sol entra devagarinho pela janela do meu quarto sem pedir licença. Calada, eu observo o sono do meu menino. Observo cada detalhe, o contorno suave dos lábios dele formando um biquinho rosado, os olhinhos fechados com cílios enormes, o nariz redondinho. O que eu mais queria agora era a certeza de lembrar desse momento pra sempre. Minha mão não resiste a mergulhar nas quase ondas de cabelos castanhos, mesmo correndo o risco de acordá-lo assim. Nunca pude resistir à mexer naqueles cabelos castanhos. Desde sempre, desde que eu o conheci. No começo eu acertava o penteado, agora era puro capricho. Talvez por ser uma forma de acariciá-lo implicitamente, vai saber. Uma maneira sutil de estar sempre tocando nele. Só sei que acostumei, e não vou parar. Mesmo ele dormindo, tão lindo assim, não vou parar.
Meus dedos correndo nos cabelos dele, ele ressonando do meu lado, bochechas enormes comprimidas no travesseiro. Dorme amor. Dorme. Eu vou está sempre aqui. Talvez não tão perto assim, mas ainda assim, aqui. Dorme.

11 de jun. de 2009

Nosso sonho

Sonhei, sonhei hoje contigo
Eu usava aquele meu vestido, lembra?
Aquele seu preferido
E nós andavamos de mãos dadas por um jardim
Tão verde, mas tão verde que enjoava
E eu nunca enjoo verde!
Você me carregava no colo e cantava para mim
Mesmo sem saber cantar, você cantava
E era só o verde, eu, você e a canção
Mas bem, ela me parecia triste
Uma canção triste para corações felizes, você falou
Eu não sei se foi impressão, mas você corou
E tudo ficou bonito outra vez!
Como cabe tanta boniteza nesse seu olhar?
Como cabe tanta alegria nesse nosso amar?
Você olhou pra mim sempre tão terno
Colocou uma flor nos meus cabelos
E disse que não vivia sem mim
Eu não sei se foi impressão, mas você corou
(Será que esse corar, é estratégia pr'eu me apaixonar?)



- Ah, tolinho! Se eu já não amasse você...

8 de jun. de 2009

Eu sou neguinha?


É a sua pele que eu mordo, que eu beijo, afago e mastigo como se fosse solta. Essa carne preta que me tapa os olhos, que se mistura com o semibreu do quarto, e eu só vejo o branco dos seus dentes certos, o branco dos seus olhos negros. É essa carne dura, esses músculos tesos, tudo teso, tudo preso, forte como um touro, louco como um deus. Esse corpo que me esmaga, essas pernas que me prendem, essa boca que me sufoca, que me invade, o vermelho da minha língua nos seu lábios quase roxos, o vermelho da minha língua no seu pescoço escuro, o vermelho da minha língua no vermelho da sua língua. E quem sou eu? Um pedacinho de gente, um fiapo de mulher, quase nada comparada ao seu corpanzil de macho, quase nada comparada ao seu porte de guerreiro. Descendente de Zumbi, filho dos orixás, tambor sem vergonha batendo no peito que eu me jogo suada depois de tanto amar. Grito, e você grita, e gritamos juntos numa melodia quase surda, filhos do norte com o sul, Iansã que nos ouça. Pé, perna e todo resto na senzala, coração que não se controla com os atabaques, corpo que não se cansa de ritmar. E eu alí, jogada com você no branco dos lençóis, sua pele colada na minha, suas mãos puxando meus cachos, alí eu me pego pensando na minha pele amarela contrastando com a sua. Café-com-leite, café-com-leite, você sussurra. Eu viro, reviro e desviro, olho nos seus olhos, penso e repenso cada letrinha: sempre gostei de café preto.




P.s.: Pra ler ouvindo "Eu sou neguinha", na versão lindamente interpretada por Vanessa da Mata!

6 de jun. de 2009

Diabo de saias: Souvenir para a irmã

Amanda O.: Um pecado...

São os cachos, certeza que são os cachos. Ela é como a Medusa: hipnotiza a todos que a olham. Lábios cheios, pele amorenada, lasciva no olhar, essa menina é mulher demais. A primeira vista parece uma mocinha tímida, recatada, o riso fácil sempre contido com as mãos. Mas não, Amanda é um perigo. Guarda doçura no peito e pecado embaixo dos cachos. Certeza que são os cachos!
Quantos homens se perderam naquele emaranhado de fios castanhos? Quantos homens se bateram naquelas curvas morenas? Ah, Amanda! Feiticeira do amor, diabo de saias. Sonho e pesadelos desses infelizes que te querem! Amanda amada, Amanda amante: delícia, delírio, porta do inferno e chave do paraíso.
Cuidado rapazes, caso se batam com uma morena tropicana por aí, olhem as ancas, as coxas grossas, os olhos de ninfa, só não notem os cachos: certeza que o encanto está naqueles cachos!



P.s.: Obrigada aos seguidores, às pessoas que comentam, àquelas que leem. Aos que incentivam, aos que criticam, aos que se dão ao trabalho de gostar. É pra vocês que eu me esforço em escrever, mesmo sendo medíocre algumas vezes, não sendo interessante algumas vezes, não sendo sensata a maioria das vezes. Obrigada, beijos nas pálpebras de vocês!

2 de jun. de 2009

Declaro


Não quero mais que você duvide do quanto estou apaixonada por você. Não quero mais imaginar você sem mim, não quero mais imaginar meus braços sem os seus, seus abraços sem os meus, como naquela música. Não quero mais imaginar beijos que não sejam os seus, toques que não sejam os seus. Não quero mais me imaginar sem você.
E se você acha tolice essa minha mania de cogitar, essa mania de poetizar nossos problemas e falar demais, eu já tô tão só que só assim pra de vez me inteirar. Se se entregar demais assim é enlarguecer, querer demais assim, é padecer.
Me pego cantando sem mais, mesmo sem você aqui o tempo todo, me pego cantando por alguém que não é de todo meu e nem sei se queria que fosse assim o tempo todo, a delícia disso tudo é o não ser. Se eu te amo cada vez mais um pouquinho, se eu te amo e se eu nem sei o que amar é, se amar é, trago a certeza de ter mel a mais cada dia com você, toda doçura pra você, toda incerteza que é você.
Borboletas ainda batem asas na minha barriga, meu coração ainda dá pinotes quando você sorri pra mim nos sonhos. E se eu queimo e minhas bochechas coram quando eu penso assim, se eu dou risada ao lembrar bobagens, sinal de que ainda é e ainda será. As lembranças são as mesmas, o cheiro é um só, o gosto do beijo não dado é único, e ainda será. O amor que nasceu, se não é, ainda será.

1 de jun. de 2009

Tereza

Lavo, passo, cozinho
Cuido da casa, cuido das vidas
Da minha
Da sua
Das vizinhas
Vivo feliz, quase sozinha
E só de noite
Você me procura
Me beija, me chama de dengo
Me leva a loucura
Me lambe e se lambuza
Depois vira e dorme
Escuta aqui nego
Não é bem assim
Em cima daquele bicama
Sou eu quem faz drama
Você só diz sim!

29 de mai. de 2009

Epopéia dramática de uma donzela burlesca

Foto por Lucas Lobo Azevedo, reeditada por mim! :)


Minha vida sendo um romance
Seria daqueles bem mamão-com-açúcar
Daqueles que vendem em banca, sabe?
Eu a mocinha indecisa
Ele o rapaz ansiado
A gente passaria a maior parte separado
Eu vivendo com outros, ele distraindo outras
Se batendo e se desencontrando

Ou pior:

A gente podia se amar, e não conseguir ficar juntos
Sabe-se lá porque!
Eu seria bem sofrida, minha vida sendo um romance
E veria complicação em tudo
Seria tudo muito complicado
- Oh, meu amado! Eu te amo, mas não podemos ficar juntos!
Frescura, frescura, frescura...
Sabe do que mais?
Minha vida sendo um romance
Eu pularia logo pras últimas páginas
Pra me ver ficando pra sempre com você
Sem complicações
Sem desencontros
Sem controvérsias


Mas pensando bem, que graça teria?
Objetividade é pós-moderno demais
Eu sou romântica

- Até demais, Vanny, até demais...

27 de mai. de 2009

Sempre chuva


Eu tô parada em frente à janela há quase meia hora, e não faço idéia de como vim parar aqui. Não que eu esteja bêbada, ou drogada, ou querendo me matar - eu acho que não. Eu só acabei parando aqui do nada, não sei porque, nem ligo porque. Desde pequena sempre gostei de observar à vida das pessoas, ficar paradinha olhando esses desconhecidos tocando suas vidinhas normais, numa mesmice sufocante. E agora, olhando lá pra baixo, esses pontos miúdos, vozes e buzinas, pernas e rodas, eu percebo que é isso que eu tenho feito com a minha vida até agora. Eu sou apenas uma espectadora do filme que protagonizo.
Nunca fui brilhante, nunca tive um futuro promissor, nunca nem mesmo fui notável. Uma filha mediana, uma aluna mediana, uma amante mediana. Nunca fiz nada digno de interesse, nada que despertasse nos olhos das pessoas um brilho de admiração, nada nada. Nasci medíocre e morrerei medíocre. O que é a minha maior frustração, porque preferia ser porra nenhuma a ser quase alguma coisa. Só gosto de extremos.
Minha vida não é lá essas coisas toda, mas também não é digna de pena. Tenho um emprego que paga as minhas contas no fim do mês, um gato siamês alérgico e com tendências suicídas e um pseudo-namorado que acha que trepa como ninguém. Qualquer pessoa normal ficaria satisfeita e continuaria vivendo feliz e contente. Mas pensando bem, nem sei porque estou pensando nisso agora. Vivi relativamente bem comigo mesma todo esse tempo, mesmo negando a minha anormalidade, mas quem é totalmente normal? Não é esse o problema. O problema é que eu me acostumei a não ser ninguém, não ser ninguém é fácil, prático e cômodo. E pensar em mudar agora, nessa altura do campeonato, me dá um baita de um medo. Eu que nunca tive medo de nada, que aprendi a lutar com os meus fantasmas na marra, a cuidar de mim sozinha, agora me vejo tremendo como uma criança assustada, perante a fatos óbvios, verdades que eu nunca quis enxergar. Sou ninguém. Um ninguém só, infeliz e só, mal-amado e só. E devia ter me importado com isso bem antes.
Não para de chover nessa cidade não? Sempre chuva! Mas tá parecendo que chove por mim agora, talvez seja uma chuva reparadora. Eu tô aqui, parada na janela com um copo de coca quente na mão, rosto no vidro e cabeça no que passo, no que passou, paro e penso no que vou fazer daqui pra frente, pra onde vou fugir e se vou parar de fingir viver uma vida que não é inteiramente minha. A gente sempre tem duas ou várias alternativas, eu só peço pra ter a chance de escolher a minha. Posso viver, posso sobreviver, e posso ser.
E poder nunca me pareceu tão assustador.

24 de mai. de 2009

The way I feel Inside

Eu devaneio e reviro os olhinhos desde miúda!

Tem 18 anos que eu vivo em mim, e a cada dia me encontro menos e me conheço mais. Certeza que minha alma é um hotel de beira de estrada: a cada hora um novo hóspede, uma nova história. A Vanny de ontem não é a mesma de hoje, e provavelmente não voltará amanhã. E hoje eu conheci, sem dúvida alguma, a Vanny mais fantástica que habita em mim.
Provavelmente ela tem a mesma altura e a mesma voz que estou acostumada, os mesmos cabelos rebeldes que eu me acabo para conseguir domar. Mas quando olhei no espelho hoje de manhã, notei que essa não era uma Vanny habitual. Talvez pra terceiros, mas porra, eu me conheço a bastante tempo pra saber diferenciar o brilho dos meus olhos. E quando eu olhei pra aquela cara familiar no espelho, eles estavam tão felizes, mas tão felizes, que eu sorri junto com o meu reflexo, e fiquei ali parada, sorrindo como se aquilo tivesse alguma lógica. A gente se acostuma a sorrir pra estranhos e acha maluquice sorri pra si mesmo. Engraçado, não?
A Vanny que acordou comigo hoje é a Vanny mais feliz que eu posso ser. Porque não é uma felicidade instântanea, como quem ganha um presente almejado, ou conquista algo que quer. É uma felicidade nua, inata, totalmente desprovida de razão. E quem disse que pra ser feliz precisa de um motivo? Essa Vanny sabe disso, ela sempre soube. Eu nunca pensei que pudesse vir a ser tão sábia assim.
Ela sorriu quando enfiou o pé na lama e se atrapalhou toda ao abrir o guarda-chuva. Ela sorriu por poder tomar um banho morno e se embolar como um gatinho na colcha de chinil favorita, podendo cochilar com o barulhinho da chuva caindo e batendo no parapeito da janela. Ela gargalhou vendo fotos antigas, revendo antigas Vannys quase esquecidas: Vanny-bebêfofura, Vanny-sapeca, Vanny-mocinha... Personagens de fases diversas de uma vida só.
Mas ela não ficou triste de saudade, nem nostálgica. Ela sabe que o que passou passou, que foi um tempo bom mas que virá melhores, sempre vem. Tudo muda, a é sorte mudar pra melhor.
A Vanny de hoje só pensa no hoje, porque ela sabe que amanhã pode ter que dar lugar a outra parte de mim. E mesmo se ela tivesse ido embora no meio do meu dia já teria mudado um bocado da minha vida.
Essa Vanny é mais lúcida e menos insensata. Mais racional e até mesmo mais inteligente. Essa Vanny não age por impulso nem deixa o coração falar o tempo todo. Ela sabe que não pode mudar o rumo dos acontecimentos, mas sabe que pode e deve mudar o jeito de ver o que aconteceu. Ela poderia simplesmente comprar um ingresso e assistir de camarote. Mas ela quer dar o show, viver ali, ela quer ser e ela já foi. Piegas, não? Ela é tipicamente uma mulherzinha piegas. Mas devo admitir que sempre senti tesão por pieguisse.
Agora eu estou sentada desejando meias quentes e mais uma xícara de chá, relembrando os momentos banais que eu vivi sendo essa Vanny. Ela os viveu como se não fosse mais fazê-lo, como se não fosse mais viver pra ter dias comuns e normais. E talvez ela tenha razão. Vai que amanhã eu acordo com uma Vanny-depressiva ou uma Vanny-revoltada?
Daqui a uns 10 minutos eu irei dormir com ela. E vou me despedir dela, e desse dia tão ameno que vivi. Mas a única certeza que eu tenho, eu e todos os hóspedes que moram aqui, é que por mais que amanhã seja outro dia o amanhã será sempre do mesmo jeito. Quem muda sou eu e as Vannys que moram em mim.


Salvador, 22 de maio de 2009.

P.s.: Hoje é domingo quase segunda, e acho que essa Vanny resolveu ficar por aqui pelo menos o final de semana. Será que ela vai embora amanhã? Eu, sinceramente, espero que não. Ser feliz de graça assim é tão mais delicioso!

21 de mai. de 2009

Meu pecado só


Meu pecado, meu pecado, meu pecado só
Olhos nesses olhos
Boca nessa boca
Aquele cheiro dessa pele na minha pele só
Na minha pele que deixou de ser minha só
Pele na pele dele
Poros nos poros dele
Meu pecado, meu pecado, meu pecado só
Beijos nos beijos dele
Duas bocas, mil maneiras
Dentes que mastigam num sorriso só
Gostos que me invadem de um jeito só
Meu pecado, meu pecado, meu pecado só
Me joga na lua
Me rouba uns pedaços
Já não sei mais como é ficar somente só
Ficar só sem essa parte que é sua só
Meu pecado, meu pecado, meu pecado só
Só não belisca tanto assim moreno
Só não me aperta tanto assim menino
Que eu tenho medo é de acordar
E estar só.
Meu pecado, meu pecado, meu pecado só

19 de mai. de 2009

Contrabalançar-se I

Foto por Amanda O.! (Beijos hermanita ;*)


Minha testa grudada no embaçado dos vidros do ônibus, luzes dançando na minha retina, eu sinto algumas gotas da janela aberta do passageiro da frente. Companheiro, faria o favor de fechar? Então, minha testa grudada no vidro frio, aquele ônibus parado há minutos, que pra mim pareciam horas, pessoas e pessoas compartilhando aquele mesmo ar, aquele aperto, aquele calor infernal tão paradoxal comparado ao toró que caía lá fora. Mas eu estava alheio a tudo isso, só pensava nela, nela, meus olhos no embaçado das luzes do semáforo, minha cabeça nela, nela. Juro que eu preferia não pensar. Ninguém escolhe ficar com o maldito pensamento parado numa criatura, por mais bela e adorável que ela seja, por mais que goste dela, e eu gosto muito dela. E acho que ela gosta de mim também, pelo menos ela me diz desdizendo. E o pior é que eu sei, sabe quando você sabe uma coisa, que não tem como saber? Digo, não é que eu saiba por ela me dizer, porque mesmo ela desmentindo, ela me diz. Mas eu vejo nos olhos dela, nos olhos da minha pequena, eu vejo que ela gosta de mim, que se importa comigo. Ela finge que não, ela se boicota, tenta se proteger, brinca de durona. Na verdade eu acho que ela pensa que não serve pra mim, de alguma forma. Eu simplesmente acho o contrário. Eu nunca servi pra ela, mas não sou tão bondoso pra deixá-la seguir. Eu quero, eu preciso dela. Agora por que ela faz essas coisas comigo? Se ela gosta de mim, se ela sabe que eu gosto demais demais dela, isso é tão claro e evidente que até esses desconhecidos nesse ônibus lotado podem ver em mim, quase podem ver a imagem dela sorrindo pra mim nos meus olhos, quando eu penso nela, e eu sempre estou pensando nela. Mas ela faz. Essas coisas que ela faz, que me machucam, que me fazem pensar em deixá-la, e que me deixa tão mal em pensar que alguma hora eu pensei em deixá-la, como se eu conseguisse! E ela sabe que eu não conseguiria, queria não ser tão óbvio assim. É por isso que ela faz essas coisas, porque ela sabe que eu não vou deixar de gostar dela fácil. Mas e se ela deixar de gostar de mim? E sou tão desgostável, sempre fui. As pessoas desgostam de mim com facilidade, talvez por ser óbvio demais. Sempre fui previsível, sou previsível até na minha imprevisibilidade.

Mas a minha menina brinca de bola com o meu coração, eu fecho os olhos agora e as pessoas pensam que eu cochilo, cochilar em ônibus parece divertido, mas eu estou pensando na minha pequena segurando meu coração com aquelas mãos miúdas, brincando com ele. Eu não me importo, juro, eu daria meu coração pra ela brincar, se isso fizesse aqueles lábios mornos de moça sorrirem, o iluminar do sorriso de sol da minha pequena! E eu dou risada com os olhos fechados ainda, me aperta no peito o coração que ela devia está nas mãos, eu tenho medo de perder, por favor menininha, não deixe de gostar de mim. E eu me sinto fraco demais em pensar assim, bato minha testa naquele vidro, primeiro de leve, depois mais forte, até alguém olhar pra mim com aquela cara de susto, e eu percebo que quebrar a minha testa não vai me fazer ficar mais forte. Eu queria mesmo era acordar num dia de sol como aquele não era, e ter desgostado daquela garota instantaneamente. Mas estava chovendo. E a única certeza que eu tenho, nesse ônibus, nesse trânsito parado, nessa alma de amante irreparável, é que enquanto chovesse, eu continuaria gostando dela.
E não parava de chover.



16 de mai. de 2009

Destino de lua

Não é que eu esteja com bloqueio mental, nem com falta de inspiração. Mas é que ultimamente só tenho escrito coisas pessoais demais, não que os outros posts não sejam pessoais demais, cada personagem meu tem um tiquinho de mim, não seria genuíno se não fosse assim. Mas é que ultimamente, eu tenho sido cada vez mais transparente, e isso não é tão bom. E os textos estão saindo tristes, vocês não querem ler contos e crônicas e poemas e poesias tristes, não é mesmo? E juro que eu tava pedindo aos céus algo que me fizesse escrever mais visceralmente, ainda cheguei a pedir uma desilusão amorosa, já que eu tava hiper feliz. Ou ficava hiper feliz. Felicidade é uma coisa tão cíclica, a minha então, é uma senóide. Eu sou tão estranha! Cada dia isso fica mais evidente, Vanny não se contenta com nada, Vanny fica feliz e triste por bobagem, Vanny se magoa fácil e esquece mais fácil ainda, Vanny pra lá, Vanny pra cá...
Pensar tanto nos meus sentimentos tem me feito ficar egoísta demais. Juro que a culpa não é toda minha, é a lua, posso jurar que é a lua. Tá cheia né? Vai passar logo, e eu vou voltar a sorrir, a cantar, a mentir, a amar. Não que eu não esteja sorrindo, nem cantando, nem mentindo, nem amando. Vocês conseguem se imaginar vivendo sem fazer essas coisas? Porque eu não! E falo isso batendo o pezinho! :)
Eu só queria mesmo era poder olhar pro espelho, e ver alguém constante. Ser inconstante é tristemente legal, e legalmente triste. Eu cansei de oscilar, cansei de ser tantas Vannys, cansei de guardar em mim mais sonhos que noites, ter mais amor latente que ideais pulsantes, querer ser mais do que sou. Cansei!
Mas a lua cheia me diz, que amanhã eu vou adorar ser tão mutável assim.



Dica:
- Não sejam piscianos! Nunca, corram dessa cilada, planejem o nascimento dos filhos de vocês em qualquer mês, menos em meados de fevereiro e março, e tomem cuidado com o ascendente também. É um signo lindo, lindo, mas dá um trabalho...

12 de mai. de 2009

Bem-te-quis

Foto: Tentativa de delícia! ahsauhsuahsuhaus


Eu não tô triste não neném
Nem com raiva de você
Você só me faz bem
Como eu poderia?
Também não tô chateada
Sossega, eu não tô magoada
É impressão sua
Você só me faz bem
Como eu poderia?
Shiii! Não fale mais
Eu não vou embora agora
Eu não vou deixar pra trás
Você que só me faz bem
Como eu poderia?
(Mas cá pra nós, amor
Bem que eu gostaria!)

11 de mai. de 2009

Pega aqui na minha paciência, pega

Queridas colegas, esse post é pra vocês. Para nós meninas, bobinhas ou não, apaixonadas ou não, prafrentex ou não, ainda acreditando em contos de fadas e príncipes deliciosos, românticos e viris montados em reluzentes cavalos brancos. *Pausa pra salivar.* Mas eles não existem.
O que existe mesmo, gatas, é um bando de filhos da puta com colhões, que tem na vida um único objetivo, e sobrevivem para uma única finalidade: nos comer.
Forte demais, cruel demais, real demais. Até o mais parvo dos machos, aqueles que usam lentes trasitions, papete e cinto bege combinando com sapato, só quer comer você. Isso é fato consumado, isso é verdade universal.
Exemplos:
- Bom dia, Marechal Rondom já passou? = Você é mulher, eu te como.
- Você sabe onde fica essa rua? = Eu te comeria fácil.
- Por favor, que horas são? = Eu ainda te comeria.
- *Suspiro*= Nunca desistirei de te comer.
E milhares de outros exemplos, atos e ações, frases aparentemente inocentes que tem um único significado, e que denotam o único motivo de existirem homens na face da terra: fornicação. Ou a boa, e velha foda mesmo.
E sabe do pior? É que se a gente faz o que faz, finge entender as merdas que eles dizem, as merdas que eles fazem, as merdas que eles são, é porque na verdade a gente só quer ser comida. E bem comida. É ou não é?
Então gatos, nem precisam vim com mimimi estou apaixonado por você, mimimi você é o amor da minha vida, mimimi te amo tanto... Se poupem e nos poupem. Olha só o tempo que a gente pode economizar sem essas hipocrisias! Por favor, aprendam a brincar.
E meninas, unir-vos! Vamos dar as mãozinhas e gritar em uníssono: Ô sacanas, parem de ser escrotos e fingir gostar de algo além da própria cabeça do falo! A gente não vale nada também, é só jogar direito que damos pra vocês. :D
Ou não né? Ou não!






Fato:
As montanhas de merda cada dia aumentam mais. Mas você pensa que pode perseverar mais um pouco, que é valente e corajosa o suficiente pra tentar se levantar e permanecer ali. A real mesmo, é que merda é merda e sendo merda só tende a aumentar. Aí você precisa se sujar pra perceber que passou da hora de vazar dali. Mas o ponteiro do relógio não erra jamais! E tudo passa...
As coisas mudaram meu bem, e eu também!

9 de mai. de 2009

Antropofagia

Ela dizia naquele timbre típico das menininhas que amam demais, dizia que estava apaixonada por ele. E tremia, entre um pulsar do coração e outro. Dizia uma porção de coisa sem sentido, que fazia o maior sentido pra ela. E ele não entendia, claro, eles nunca entendem. Não entendia o que aquela menina estava falando, ou porque dizia tudo aquilo com os olhinhos úmidos. E mais ainda, não entendia porque ainda não tinham se beijado. Ela falava e falava, e ele observava o curvar gracioso do canto dos lábios dela, mas não absorvia um terço do que ela dizia. E ela falava com o coração, maldita sina das menininhas que amam demais! Falar com o coração é pior que assaltar uma igreja.
Ela falava sobre amor e ria, e ele ria dela também, pensava que essa garota era mesmo muito bobinha, e por que eles ainda não tinham se beijado? Ele não entendia, claro, eles nunca entendem. Não sabia que ela era uma daquelas que amam demais, que amam intensamente demais. Pra ele, era só mais uma menina bonitinha que estava falando mais do que devia. E ele a beijou. Sôfrego, rápido e seco. E ela tremeu de susto. Você esperava algo diferente de uma menininha que ama demais? Ela queria beijos cartões postais, ele beijava telegramas. Mas ela já estava apaixonada por ele, e não tinha remédio que sarasse isso. Nem um beijo automático, nem penicilina.
Ele sorriu daquela forma que eles fazem quando conseguem alguma coisa. Ela sorriu daquela forma que elas fazem quando estão na frente da coisa mais importante do mundo. Ele riu de novo, ele não entendia. Porque eles nunca entendem? E ela não falava só com o coração. Todas as partes do corpo, gritavam o nome dele. O maior pecado da vida de uma menininha que ama demais! Na vida de uma menina, pra falar a verdade. Dizer que está apaixonada, com o corpo e com a boca, ter seus poros chamando por ele, pedindo por ele, querer estar com ele mais do que estar consigo, é praticamente assinar sentença de morte com hora marcada e carrasco arrumado. Mas sina é sina, destino é destino, e homem é homem. E eles não entendem, eles nunca vão entender.
A nossa menina ainda sorri , cabeça no céu, alma na mão dele. E ele ainda sorri, pés no chão, coração cerrado... e cabeça na próxima.
Mas ela não sabe, claro. As menininhas que amam demais nunca ficam sabendo.

Cromoterapia

Nesses olhos de menino
Tento pintar meu mundo
Com lápis de cera e cor
Os olhos desse menino!
Outrora sempre tão negros
Agora arco-íris-pupila
Meu mundo nos olhos dele
Nos olhos do meu menino!

8 de mai. de 2009

Entre outras coisas

I

Ele tá sentado na beirada da cama, fumando como se fosse acabar o mundo. Você olha pra ele e tenta gravar aquela cena na cabeça, pra lembrar melhor depois, mas você nem precisaria olhar mais uma vez pra saber que lembraria. Ele era tão sério fumando! Você abafa uma risada, sabe que não faz sentido, que não tem graça, mas você não consegue imaginar como alguém consegue fumar tão sério daquele jeito, é engraçado. Ele olha pra você de lado, você morde os lábios e se faz de séria, droga, ele sabe que você tava prestando atenção nele, e você explode em risos, e se joga nos lençóis com falta de ar, efeito do álcool, ou você é mesmo tão boba assim? Não devia ter bebido tanto vinho meu deus, você pensa, mas não se importa mais, ele largou o cigarro e está vindo manso na sua direção, que olhos são aqueles? Azuis ou verdes? Não importa mais, eles agora estão fechados, ele te beija e a barba dele tem cheiro de fumaça e maçã. Ele te beija mais, e mais, e a barba dele desce percorrendo seu corpo, faz cócegas e te lembra uma esponja de banho. Uma esponja, você ri e ele pergunta se você disse alguma coisa. Não, pode continuar. Tá tocando uma música triste na rádio, ela te lembra um ex-namorado, mas não por ser triste. Mas porque ele cantava toda errada. E nessa hora te dá uma vontade enorme de fumar, você não sabe porque mas dá, e você nunca fuma. Me dá um cigarro. O quê? Ele não escuta. Um cigarro. Ah sim. Ele acende e te entrega, você levanta nua e encosta na janela, olha pros carros na avenida, tudo muito movimentado, quantas luzes, é por isso que vive faltando água, você comenta. E você fuma como se fosse acabar o mundo. Ele ainda tá sentado na cama olhando pra você, e agora você não vê mais nenhuma graça nele. Você apaga o cigarro, veste suas roupas e sái. Não sem antes perguntar o nome dele.


II

Aquela festa tá barulhenta demais, quente demais, e cheia demais. Você quer ir embora, mas não vai. É quando você o vê. Ele é engraçadinho, você pensa. Magro, deve ser bem novo, aquela barba não engana. O cabelo encaracoladinho é um charme, os óculos também, não mais que a cara de tonto. Ele fuma. Você pergunta se ele tem isqueiro, e você nunca fuma. Ele lhe dá o cigarro, você recusa. Você puxa ele pro canto e dá um beijo. Dois. Uns amassos, vá lá, ele é gostosinho até. Vamos dar uma volta? Você pega ele pela mão. Ele é engraçadinho. Você andam pelas ruas de mãos dadas, quanto tempo você não anda de mãos dadas? Sentia falta disso, ele daria um ótimo namoradinho. Era discreto, aquela barba era um charme, e a cara de bobo era a cereja do bolo. Você pergunta se ele tem namorada. Ele diz que ela se chama Carmem. Você pergunta se a Carmem é bonita, mas nem espera ele responder. Vocês já estão no quarto, ele tem mesmo duas mãos? Rápido mesmo, você nem chega a gozar. E ele já está fumando de novo.


III

Você anda depressa pela rua, aquelas luzes te incomodam de um tanto, que dá vontade de ser cega. Que horas eram? Não é possível que tenha tanta gente na rua ainda, era cedo assim? Você pensa com raiva, malditos carros, mas você queria mesmo era ter um pra não precisar voltar de ônibus pra casa. O menino não tinha, será que ele tinha mesmo 18 anos? Você nem lembra o nome dele, passa vagamente pela cabeça começar com R, mas a única certeza que você tem é nenhuma, não devia mesmo ter bebido tanto vinho. O ponto está vazio, enfim uma coisa boa aquela noite. O ônibus também chega logo, você sorri pro cobrador e pensa que sua sorte está mudando. Ele sorri de volta, achando que você está procurando ousadia. Idiota. O quê? Essa foto aqui, é sua mulher? Você ainda está sorrindo. E ainda sorri enquanto se senta, idiotas, fala olhando pra a janela. As pessoas realmente precisam de tanta luz assim? Você imagina que viveria bem melhor com pouca luz. Não sou planta. Uma senhora que acabou de sentar ao seu lado pergunta se você falou com ela. Eu disse que não sou planta. A senhora também não é. Ela se benze, e muda de cadeira. Melhor. Será que ela teria um isqueiro? Mas você nunca fuma. É, você pensa, vou começar a fumar.

7 de mai. de 2009

Rainha do gelo

"É tudo gelo e pedra, bem meu coração."

A neve descia mansa e densa, cobrindo tudo de um branco tão claro que doía as vistas.

Ela olhava a rua da janela, trancada no seu quarto, no mundo só seu. Nunca tinha se permitido ir além, nunca tinha se deixado fluir.

Tinha a pena de nunca ter amado ninguém.

"Mas eu não ligo mesmo. Assim fico protegida de mim".

Enxugou as lágrimas com as costas da mão, a pele gelada tocando nas bochechas rosadas, um gosto de tristeza e sal escorrendo pro canto da boca. E não demorou muito pra romper no pranto amargo das moças mal-amadas.

E chorou, e gritou, e esperneou, e gemeu, e soluçou, e parou, e começou tudo novamente. Como se as lágrimas mornas fossem quebrar o coração empedrado, como se fosse derreter a crosta que mantinha preso todo o seu amor. Mas nada mudaria o destino daquela jovem.

Nem se ela quisesse, estava escrito. E quando se está escrito, nada mais pode ser feito.

Nem chorar.

Os flocos de neve eram cada vez mais escassos, e parecia mesmo que estava parando de nevar. Mas ela não notava.

Seu coração tinha trincado.


6 de mai. de 2009

Sobre o tempo

Foto por: Lucas Lobo Azevedo

Tá tudo feito
Todos os fatos, e os defeitos
Tá tudo certo como 2 e 2 são 7
Mas não era cinco?
Eu conto
Os tempos mudaram meu bem
E eu também
Quero um batom novo
Preciso daquele esmalte
Meu jeans skinny tá apertado
Meu coração tá apertado
Será que ele não vem?
Ah, mas se ele não vier!
Eu vou
Os tempos mudaram meu bem
E eu também
Tenho um caminhão de coisas pra fazer
Uma lista de pessoas pra esquecer
O telefone dele pra anotar
Mas e se ele não telefonar?
Eu faço
Os tempos mudaram meu bem
E eu também
Tá bom que meu coração é dele
Tá bom que eu já sou toda dele
Mas e se ele não me quiser?
Eu quero
Os tempos mudaram meu bem
E eu também

Essa história dava um conto...

Era uma vez uma princesa triste que vivia só, só, somente só, cerrada na torre mais alta de um castelo qualquer. A princesa coitada, vivia suspirando e ansiando o dia que se entregaria às delícias do mundo extra-castelar. E esperava, e rezava, e desejava, e planejava, e sonhava...
Até que em um belo e dourado dia de sol, apareceu nas portas do castelo um príncipe que não era lá essas coisas toda. Mas mesmo não sendo lá essas coisas toda, ele roubou a princesa triste e levou-a consigo pro mundo. E ela, como era de se esperar, se apaixonou perdidamente por ele. Mesmo ele não sendo lá essas coisas toda.
Mas não sejamos duros com a pobre princesa triste. Vocês queriam o quê? 19 anos trancafiada na torre mais alta de um castelo qualquer, o mínimo que ela poderia fazer era se apaixonar pelo primeiro ser vivente que aparecesse pra tirá-la dali. O pouco é muito comparado ao nada.
Daí, a princesa triste ia vivendo quase feliz com o príncipe que não era lá essas coisas toda, descobrindo as indecências da vida. Mas o que ela não sabia ainda, é que o príncipe que não era lá essas coisas toda, já tinha roubado muitas princesas, tão tristes quanto ela por aí. E uma delas não tinha superado o fim do conto-de-fadas. Na verdade verdadeira, nem ele. E viviam paralelos à vidinha medíocre da princesa triste, um tórrido e complicado caso de amor.
Bem complexo na verdade: o príncipe que não era lá essas coisas toda parecia gostar mesmo da princesa triste, mas vivia preso a uma história mal resolvida com a princesa inconformada. Que por sua vez, podia até não gostar de verdade do príncipe que não era lá essas coisas toda, mas inconformada ela era, e inconformada sempre seria. E a princesa triste já tava amando o príncipe que não era lá essas coisas toda e só saía perdendo nesse caso. Mas ela tinha lá outra alternativa?
O esperado agora é que eu comece a narrar como o príncipe que não era lá essas coisas toda se descobriu morto de amores pela princesa triste, e tanto e tão forte era esse amor, que ele teria matado a princesa inconformada pra que ela os deixasse em paz e que pudessem viver felizes para sempre, como manda o figurino.
Mas eu não quero.
Eu quero mesmo é que a princesa triste se revolte, queime as anáguas e mande o príncipe que não era lá essas coisas toda e a princesa inconformada pro inferno juntinhos. Eu quero mesmo é que a princesa triste descubra que fora do castelo existe um monte de possibilidades e oportunidades, e que em cada esquina tem um nobre que vale sim muita coisa, esperando só a chance de fazê-la feliz. Eu quero que a princesa triste viva! Feliz para sempre, como convém, mesmo que só, por enquanto. Ela já não passou 19 anos trancada numa torre mesmo?

5 de mai. de 2009

Dancing queen


Eu nunca fui um bom partido.
Nunca fui como aquelas menininhas bonitinhas e inocentes, que dão mais risadas do que falam, e quase sempre balançam as cabecinhas miúdas em sinal de concordância no final de cada frase.
Eu sempre falei demais, falei o que me vinha na cabeça e o que não me vinha também, pensar demais antes de formar uma frase lúcida nunca foi o meu forte. Tô pouco me lixando para a lucidez.
Nunca fui como aquelas mocinhas delicadas e faceiras, que quase dançam ao andar, lépidas e graciosas como fadas bailarinas.
Eu sempre fui desengonçada como a zorra, vivo tropeçando no meu dedão maior que as sandálias, e tenho um senso de equilíbrio quase nulo.
Nunca fui como aquelas jovenzinhas simpáticas e sempre tão gentis, que falam em redondilha maior ou em versos alexandrinos.
Eu sempre tive o vocabulário chulo de uma mulher da vida, e perto de mim muitas vezes elas parecem amadoras.
Porque meu bem, de teoria eu sei é tudo.
E o pior, é que no fundo no fundo, eu sou um bom partido.
Mas quem liga pra profundidades?




Fatos:
- A lua tá mudando, e junto com ela o meu humor e o meu amor. Aliás, meu humor oscila várias vezes durante o dia, variando de ''felicidade extrema'' a ''fossa mor'', passando por ''apatia momentânia'' e ''depressão total''. Pode isso? Como é que eu consigo conviver comigo mesmo há 18 anos? Vá lá saber.

- Amo demais a chuva, o tempo frio, a possibilidade de me panharem num beijo no meio do caos do trânsito, mas namoral, a faculdade vira um brejo, a cidade pára e as pessoas ficam todas mui loucas. Olhando pela janela do busu, duas horas e meia de congestionamento, eu meio desorientada pelo sono, pela cólica e pela fome, vejo elas correndo com guarda-chuvas quebrados no meio dos carros, e aquilo tudo perde a forma, as cores se fundem numa só, e eu só escuto ABBA tocando nos meus ouvidos, e é tudo tudo muito louco mesmo. Tsc tsc.

E como já dizia o amigo de CS de Fernando (eufemizando): Aspirar o orifício anal com a mangueira, ninguém almeja!

4 de mai. de 2009

If I fell


- Mas, como pode a gente se apaixonar assim, de supetão, por um pedacinho de sorriso miúdo brotado dos lábios de um semidesconhecido?
- Menina, tu não se apaixonou por esse rapaz, nem por nenhum outro.
- Como não? E o que é isso aqui batendo forte em mim? Me diz.
- Você se apaixonou foi por se apaixonar. Fascina-te o amor de brincadeira, essa coisa masoquista de ficar se desgastando, de gostar só por gostar. Você ama o amor, mas sequer conhece o amante. E sabe? Para com isso. Para já com isso, veste o seu sorriso mais bonito, aquele de girassol, sabe?, e vá pro mundo.
- Mas... e ele? E aquele rapaz que eu já amo? O que faço com o nosso depois?
- Esquecerá rápido, como todos os outros. Coloque logo uma pedra lisa no meio dessa história, não gaste seus sonhos, menina. Você tem o mundo todo pra você, como um jardim, esquila.
- Não, não. Não posso deixá-lo agora. A gente nem sequer compartilhou um beijo ou um sorvete de flocos.
- Menina, guarda seus beijos. Não há criminoso sem crime, nem nada que dure uma nuvem. Acredite em mim, seus beijos ficarão melhor ansiando nos seus lábios de moça. Até aprender a jogar como se deve, até ter todas as cartas a mostra na mesa. Anda, me dá a mão, tira esse bico dessa cara bonita, bota sua máscara de passarinha e me segue.
- Tá. Eu vou! Mas só se for sonhando...