28 de jan. de 2010

Ismália


Você vem primeiro pela manhã e me mata como se o tudo não te bastasse e o nada que sobra para mim é suficiente para cobrir durante um par de horas a sua ausência que anda cada vez mais escassa. Depois aparece pela tarde e me tira a respiração como uma onda em ressaca, me levando cada vez mais pra longe do que resta de mim. E a noite, como se não bastasse - e não basta, você sussurra, nunca basta - você chega manso pra me acalmar, mas seus dedos leves são como brasas sobre a pele do meu peito e me queima, me abre uma chaga imensa e tão profunda que posso ver pedaços da minha alma querendo sair de lá.
Você vem nos dias frescos e nos dias tórridos, e tanto faz pra você se chove, ou se eu já não enxergo mais a neve, ou se eu já não posso mais ouvir os colibris, você me agarra forte e eu já não lembro mais do que vivi, do que senti. No seu abraço vivo eu vivo os dias as noites os anos num mundo nosso, onde não mais importa nada e a dor não é tão dolorida assim.
E a minha não- existência torna a ter lugar no mundo, junto a você minha insistência torna a ter algum sentido, o sentido buscado em vão a vida inteira insone e morta e pálida como eu continuaria sendo se não fosse você.
E se você, um certo e esperado dia, me rasga a pele e cola nela um par de asas azuis, e se você, me ala e mostra o universo a esperar por mim, e se o meu juízo estiver completamente corroído por você, e se eu me jogar pela janela desse quarto e cair aos pés de meia dúzia de loucos como eu, e ah!, se ao invés de despencar eu voar como sempre quis, e sim, assim eu viverei mesmo que seja no sentido oposto da razão.
Ao invés de Loucura, deviam te chamar Vida.





"As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar..."

(Ismália - Alphonsus de Guimaraens)

6 comentários:

Anônimo disse...

eu te leio dançando...

NavegandoeVagando disse...

Seu ritmo, sua sina e seu sentimento compõe uma linda poesia em ritmo e cor.
Parabéns!

Felicidade Clandestina. disse...

Nossa. eu amei demais essa tua poesia,essas linhas todas foram me tocando a cada letra *-* LINDO demais isso.Meus Parabéns.

P. Veras disse...

Parabéns ! Adorei, enho que concordar com os outros de cima: Ritmo. É genial como cada palavra vai aumentando o ritmo das sensações do poema e vc fecha com "Ao invés de Loucura, deviam te chamar Vida" ficou lindo

Mónica Lacerda disse...

a loucura é amante da vida. só os loucos vivem, só eles. loucos que nem eu e talvez tu.

W. disse...

E só volto a respirar quando fincas o dedo no ponto final.