7 de out. de 2009

Sobre o tempo

Nunca entendi muito bem a necessidade que as pessoas tem de saber das horas. Pra mim, tanto faz como tanto fazia: se era de noite ou de manhã, se era hora do almoço ou era verão, se faltava dez minutos pra acabar o dia ou vinte quatro horas pra começar um novo. Não me importam os prazos nem as frequências; não me importam o badalar dos sinos nem o correr dos ponteiros. Sempre tive medo do passar do tempo. Ele é cruel, enruga, e leva sorrateiro a lucidez.
Lucidez essa, que eu nem tenho mais a essa altura da madrugada. Depois de tanto beber, e fumar, e cheirar, e trepar, só me restam um corpo insone e uma mente pertubada – além de carteiras de cigarros amassadas, cinzas espalhadas pela mesa, garrafas, e uma puta sonolenta dormindo semi nua no meu velho sofá-cama. Desse lado da sala não consigo ver seu rosto. Talvez seja bonita e nem seja puta, talvez seja uma velha amiga que eu reencontrei na rua e convidei para tomar um vinho, talvez esteja tão completamente bêbada e drogada que não se lembre de nada tanto quanto eu, talvez seja uma desconhecida casada e com um casal de filhos gorduchos, talvez seja pobre e ignorante, talvez esteja morta, talvez seja fruto da minha imaginação. Ela permanece inerte a poucos metros de mim, e eu daria tudo – tudo – para ela realmente ser fruto da minha imaginação.
Bebo o último gole de uísque que restava no copo, barato e tão quente, que descia pela minha garganta como se tivesse unhas. Não reparo. Pensava sobre o quê, o tempo? Sobre os acontecimentos que atravessam a vida da gente como navalha, cortando a carne, ferindo a pele, matando aos poucos. Como o álcool que me entrerte, como a droga que me dopa, como o sexo que me agrada. Aos poucos, me matam aos montes.
Não saberia dizer como cheguei a esse ponto. E nem importa, na verdade, o que importa é que cheguei. Fundo do poço, alguém diria. Mas meu poço não tem fundo, e enquanto houver tempo, continuarei descendo cada vez mais, cada vez mais, cada vez mais. Me olho no espelho e não consigo enxergar nada.
O tempo me roubou de mim.

6 comentários:

Ribeiro disse...

Hoje eu já disse que sou seu fã?
Parabéns pela postagem, talentosa garota.

Naila de Souza disse...

Engraçado; escrevi um texto onde dizia que também não me apegava a datas e ao tempo: eles deixam as coisas muito compactadas, rotuladas...
Também estou precisando de um 360º ou até mais voltas do que tenho previsto. Preciso voltar a enxergar melhor. Ultimamente tenho andado com instinto.

Texto vibrante, igual ao vermelho que sangrou tudo aqui. Que nem a boca carnuda da pequena =D
Ela já voltou a sorrir?

Um grande cheiro pra ti, honey.

Anônimo disse...

que foda, Vanny!
amei o layout
tá lindo!

rick disse...

Vou levar pra Igor analisar ;D

Ba Moretti disse...

Intenso! Adorei, dá pra sentir a força desse texto, a intensidade de cada palavra penetrando.

Parabéns!

Anônimo disse...

Engraçado como a gente pode se encontrar em pequenos pensamentos das grandes mentes alheias.