3 de nov. de 2009

Sei que tu voltas

As melhores partes dos dias que antecederam a tua ida, eram as manhãs. Mornas e ensolaradas, o sol invadindo sem pedir licença o nosso quarto de dormir. Eu acordava todo dia antes de ti, só para poder te olhar adormecido - lindo. Olhos cerrados, bochechas marcadas com vincos de travesseiro, às vezes ressonando leve, quase sempre totalmente descoberto, sempre suado. Poderia passar a vida inteira do teu lado na cama, te olhando sem fazer barulho, reparando em cada traço do teu rosto. Mas tu acordavas de súbito, sorrias e beijavas a ponta do meu nariz. "Moleca, não me olha assim", e me abraçavas. Foram as mais lindas manhãs da minha vida.
Não me lembro ao certo em qual estação estávamos quando tu foste embora. Sei que fazia calor, e tu passavas o dia sem camisa andando pela casa, podia ser verão ou primavera. Lembro-me muito bem do verde vibrante da relva no jardim, e das flores, nunca antes tão bonitas. Tu sempre teves a mão boa para plantas. Nossa casa vivia florida, e não havia um dia sequer sem ter flores enfeitando a mesa do jantar.
Não choveu um dia na semana em que tu me deixaste. O céu estava limpo e claro, e a lua cheia estava tão iluminada e amarela quanto um farol. Nos deitávamos de barriga para cima na grama, e brincávamos de contar estrelas, vez em quando tu me mostravas uma constelação ou outra, e me contava uma antiga lenda grega. Me dizias que eu era a tua Psiquê, e tu eras o meu Eros. "Amor e alma, pequena. Nunca felizes separados". E quando uma estrela cadente despencava do céu, fazíamos um pedido. Eu não tinha mais o que pedir. Já tinha a ti, nossa casa, nosso gato angorá preguiçoso e um jardim com girassóis. Meu pedido era um agradecimento. Ou um beijo. Que sempre se realizava.
Na tarde da tua ida, eu tinha tirado as cortinas de seda azul para lavar, e tinha feito um bolo de chocolate com nozes e avelã. Era receita da minha avó, e o seu preferido. Coloquei ração pro gato, molhei as plantas e me sentei na velha cadeira de balanço pra ler um conto de Allan Poe. No exato momento que soube da sua ida, estava tocando um jazz na rádio, e lembrei-me de súbito de ti. Derrubei o copo de água que estava na mesinha ao meu lado, que se espatifou no chão em mil pedaços. Alguns minutos antes do telefone tocar, eu já tinha recolhido os cacos de vidros do chão e colocado o tapete persa pra secar no varal. Pensava em ti e tudo a nossa volta pulsava parecendo ter vida naquele exato momento em que a voz do outro lado da linha parecia me cortar como um punhal sem cabo.
Hoje faz um par de meses que tu foste embora, e nossa casa parece mais bonita a cada dia. Tem margaridas enfeitando o parapeito da janela, e troquei as cortinas azuis por outras mais alegres. Visto-me sempre com vestidos floridos e rodados, e os cabelos trançados como sei que tu gostas. Nunca deixo de fazer o teu bolo favorito, porque sei que tu voltas. E minhas lágrimas regam as flores mais bonitas do jardim, as flores que enfeitarão o túmulo que dizem ser teu. Mas não é. Pois sei que tu voltas. Foste só buscar um pote de estrelas pra tua Psiquê.

4 comentários:

Naila de Souza disse...

Fiquei esperando as palavras voltarem para comentar, mas depois achei desnecessário: um texto que me fez calar.

Mais uam vez, parabenizo-a.
Cheiro grande.




P.S.: Digamos que meu músculo involuntário aqui tem flertado e se animado na possibilidade dele ser raptado por um par de olhos castahos. Mas sempre tenho medo de ser piegas....=/

Anônimo disse...

Lindo, Ny, parabéns!
Só você pra me fazer chorar com um texto depois de tomar vodka...
Fico esperando ansiosa o próximo texto, sabendo que eu vou amar e te achar mais genial a cada dia.
Tudo de bom.

Fran disse...

Lindo texto e declaração, se for real espero que ele volte sim :)

Beeijos!

Anônimo disse...

QUE LINDO!
ai meu deus, assim você me deixa sem palavras, dona Vanny!