29 de out. de 2011

Arrastada


Assim que acordo, todos os dias, com os primeiro raios da manhã, o amargo da sua falta pisca pra mim, primeiro desfocado, depois desesperadamente nítido até dominar minha visão por inteira, morno como o nascer do sol. E não haverá potes de dias e de madrugadas, não haverá montanhas de horas de relógio, nem rios de semanas desmaiadas que apaguem as minhas memórias, entalhadas em mim como as nossas iniciais na árvore da nossa infância. E agora, com os pés afundados na lama preta do manguezal, eu só consigo ver pedras no meu destino. Talvez pela quantidade de pedras que cercam a margem do rio, pedras escorregadias de lodo e polidas pelo vai e vem das águas, pedras que poderiam contar tantas histórias de tanta gente que passou por aqui, como eu, como você. Talvez porque agora são as pedras desse mesmo rio em que brinquei com você a minha vida inteira que me enchem os bolsos e me fazem pesar mais de uma tonelada. E agora, cada passo que eu dou é como se tivesse caminhando em direção ao começo. Ao fim de todas essas pedras, ao fim de toda essa lembrança que me veste às vistas a cada segundo, estou indo em direção a uma vida inteira sem futuro. E enquanto caminho e a água vai me cobrindo aos poucos, molhando a minha pele e roupa e sentido, vai lavando os meus sonhos, vai levando junto com ela o meu desespero. Tento falar pela última vez o seu nome antes de afundar completamente, mas me falta ar. Não tem volta. Não tenho escolha. Sua ausência me destruiu por inteira e só a morte pode me salvar dos meus pedaços. E que o rio se encarregue de arrastar o que restou de mim como o tempo não terá tempo de fazer.

1 comentários:

CH∆OS ™ disse...

" E que o rio se encarregue de arrastar o que restou de mim como o tempo não terá tempo de fazer."

Que bela imagem!